O Rei está nu!
Lembra-se daquela história da infância, sobre
dois espertalhões que enganavam o Rei, dizendo que iam vesti-lo com um traje finíssimo?
A toda hora eles pediam mais dinheiro, porque os botões invisíveis eram mais caros, o
fio invisível era mais caro, a bota invisível tinha que ser trazida da China (logo, era
mais cara), etc. No final, o Rei sai todo pomposo desfilando pela rua e todo mundo nota
que ele está nu, mas ninguém tem coragem de falar. Só uma menina, que nunca fez MBA,
não estudou em Harvard e muito menos ouviu falar de aipiou, tem a audácia de
verbalizar o óbvio.
Um dos grandes debates que povoa as mesas de bar, pelo menos onde tem uma pessoa que
trabalha com Internet, é como diabos empresas que dão prejuízos podem valer mais do que
empresas normais (ou seja, que dão lucro).
A resposta, obviamente, está baseada na percepção de lucros futuros
potencialmente fantásticos, ou simplesmente de que existirá mais gente comprando essa
ação, caindo no que chama-se nos meios entendidos de esquema de Ponzi, ou
simplesmente pirâmide.
Mas essa discussão é muito mais velha do que geralmente se comenta. Perder dinheiro para
vender mais, aumentar o faturamento ou a participação de mercado é a coisa mais antiga
do mundo. Quem não sabe que as padarias de supermercados vendem o pão mais barato, só
para poder atrair mais clientes? A grande diferença é que o supermercado recupera essa
perda em algum lugar ou quebra.
Agora, quando o negócio é crescer rapidamente, a promessa de dominar o mercado combinado
com um modelo de negócio que produz lucros a longo prazo talvez seja mais importante do
que lucros a curto prazo.
É claro que não dá para fazer dumping eternamente. Mais cedo ou mais tarde, uma
empresa tem que se auto-sustentar. Se não consegue nem fazer isso, então não é uma
empresa. Um produto ou serviço pode até perder dinheiro dentro de uma empresa,
principalmente na fase de lançamento, porém não a empresa inteira. Mas que o dumping
é um método antigo, estudado e, principalmente, eficaz, ninguém duvida.
Na Internet, o dumping é levado ao extremo, principalmente pelos defensores do tudo
grátis. Essas empresas atraem os internautas com qualquer coisa grátis, e imaginam
ganhar dinheiro depois, muitas vezes com publicidade. Que tipo de clientela você vai
atrair oferecendo tudo grátis? Já pensou um supermercado dando tudo de graça, e depois
querer recuperar o prejuízo vendendo propaganda lá dentro? Para mim, é um modelo que
não se sustenta a longo prazo.
Mesmo que possamos calcular financeiramente o valor da atenção humana, algo que é feito
de forma rotineira por qualquer veículo de comunicação, os princípios básicos de
Vendas, principalmente Marketing Direto, continuam valendo: se os seus custos de
aquisição por cliente são maiores do que o dinheiro que esse cliente vai lhe trazer a
longo prazo, você estará perdendo dinheiro. Pior ainda: quantos mais clientes atrair,
mais dinheiro perderá.
Mesmo que tenha clientes lucrativos, que tipo de cerca de proteção você
está construindo para evitar que essas pessoas/empresas mudem para a concorrência? Como
já dizia uma pichação de muro no meu colégio de adolescente: "Conquistar uma
pessoa diferente todos os dias é fácil. Difícil mesmo é conquistar a mesma pessoa
todos os dias".
Para piorar, ainda temos um monte de novos experts no assunto: especialistas
em Varejo Virtual que nunca tiveram uma loja na Internet, especialistas em WebMarketing
com sites que vivem às moscas porque nunca ninguém ouviu falar, especialistas em MKT de
Relacionamento que não retornam e-mails. Será que na teoria a prática é diferente?
Neste exato instante, alguém, em algum lugar do mundo, está fazendo uma previsão
correta sobre o futuro. O problema é saber quem. Experts tendem a criar modelos sobre a
realidade e fazer previsões baseadas nesses modelos. Esse modelo é geralmente baseado
nos preconceitos pessoais do expert, bem como numa crença irracional de que o futuro
será sempre melhor e a virtude prevalecerá (virtude, entenda-se bem, é o ponto de vista
defendido pelo autor da teoria, seja ela qual for). O problema é que não contaram isso
para o futuro. E nem para os experts, que cada vez cobram mais para fazer novas
previsões, explicando ao mesmo tempo, de forma lógica e indiscutível, porque as
últimas previsões não se realizaram.
Apertar o cinto já é extremamente difícil para empresas financeiramente conservadoras.
Imagine então para quem saiu por aí torrando tudo em propaganda pela televisão. Talvez
o lucro não importe hoje, mas um caminho que aponte para o lucro amanhã. Em algum tempo
próximo, as empresas começarão a ser julgadas pela sua capacidade de vender um produto
ou serviço por mais do que ele custa para produzir.
Não basta ter clientes: você tem que ter clientes lucrativos, e que fiquem com você por
um bom tempo. É o famoso Lifetime Value, e meu grande temor é que não vejo ninguém no
Brasil falando sobre isso, ou custo de aquisição, ou quanto vale a atenção. É tudo
quantidade e aparência. Como disse o escritor Cristopher Lasch: "Nada traz mais
sucesso do que a aparência do sucesso". E tem tanta gente desfilando aparências por
aí...
Pense nisso: Venda Mais, mas com lucro.
Raúl Candeloro,
Autor dos livros Venda Mais e Negócio Fechado,
é editor da revista Técnicas de Venda e responsável pelo site VendaMais
www.vendamais.com.br candelo@zaz.com.br
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