O milênio acabou e, finalmente, neste seu último ano, antes muito
tarde do que nunca, parece que o país acordou para o comércio exterior. Acho que se pode
concluir que o paciente ainda respira e que breve, talvez, possa sair da UTI e sobreviver
sem os cabos e tubos de oxigênio, levando uma vida normal.
No ano 2000 o Brasil voltou a ter esperanças e o crescimento retornou. Isto a despeito de
toda a contra-força realizada pelo governo ao longo dos últimos anos, evitando a sua
ocorrência. Pena que isto não tenha sido devidamente combatido pela iniciativa
empresarial privada, sempre submissa aos caprichos de poucos encastelados nos gabinetes
governamentais e que parecem desconhecer o que ocorre no Brasil real.
Conforme já notado, ao que tudo indica, finalmente o MINCEX-Ministério de Comércio
Exterior já é uma realidade, só faltando a sua oficialização e promoção do
secretário da CAMEX a ministro. Parece que isto não muda muito, mas já pudemos ver uma
voz mais ativa no comércio exterior, e devidamente respeitada. As medidas para a
valorização das exportações, geradas em Brasília, nasceram há pouco na maternidade
ENAEX 2000.
O ano 2000 também trouxe a tona, mais do que em qualquer outra época em nossa história,
a relevante discussão e ação sobre a mudança de trajetória da nossa matriz de
transporte já envelhecida e calcada basicamente sobre o veículo rodoviário. Este é um
modal de extrema importância conforme todos nós reconhecemos, mas utilizado de forma
inadequada. É de farto conhecimento que não se pode sobreviver sem este modal, mas a sua
utilização deve seguir uma lógica que beneficie a nação, agindo dentro de parâmetros
bem definidos, ou seja, de auxiliar dos demais modais, valorizando a multimodalidade e a
intermodalidade, ou seja, uma atuação mais nobre do que a atual.
A privatização da malha ferroviária, bem como a atenção e investimentos realizados
nas hidrovias brasileiras, abre um novo caminho para o transporte de nossas mercadorias
para e dos nossos portos e aeroportos, além de melhorar a distribuição nacional,
abrindo perspectivas excelentes para o futuro.
Também faz parte desta perspectiva e breve futuro a nossa armação. A nossa marinha
mercante praticamente desapareceu nas últimas duas décadas, tendo recuando de cerca de
30% de participação no nosso comércio na década de 70 para os míseros cerca de 1%
hoje. Isto a despeito de termos uma das maiores costas marítimas mundiais, e estarmos
confinados nas nossas ligações terrestres ao comércio com poucos países, estando os
mais importantes compradores e fornecedores situados além-mar.
De qualquer modo, também melhor agora do que no quarto milênio, perdendo também o
terceiro, a distribuição física de nossas mercadorias tem na cabotagem uma nova
esperança, que neste quesito a nação é campeã já que um de nossos ditados mais
famosos é de que a esperança é a última que morre, e na realidade nunca morre, o que
daria uma excelente tese de doutorado para saber porque isto ocorre, embora estejamos,
após 508 anos, tentando chegar ao terceiro mundo que deixamos já há muito.
A cabotagem foi redescoberta e cresce a olhos vistos, tentando fazer a sua parte e
ajudando a reduzir o custo Brasil, tanto interna quanto externamente. Pena que, mesmo já
não tendo mais marinha mercante, não tenhamos aberto a cabotagem oficialmente para a
iniciativa privada estrangeira, o que aceleraria o processo de substituição dos modais
para algo mais lógico do que o que ocorre hoje. Ficamos enterrando o pescoço num buraco
na terra, como faz o avestruz, fingindo que a cabotagem está sendo feita por empresas
brasileiras, apenas porque elas conservam os seus nomes e sedes nacionais e não foram,
neste sentido, incorporadas às empresas controladoras.
Dentro do novo espírito que toma conta do governo, a da salvação nacional via comércio
exterior, temos até um novo discurso e impulso da construção naval via condições
ditas privilegiadas, de modo a tentarmos voltar a um mercado no qual já fomos príncipes,
pois muitos se lembram de que o país já foi o segundo maior construtor de navios do
mundo, tendo deixado escapar esta condição e quebrado toda a nossa indústria naval.
Esperamos, no entanto, que todo este discurso não seja mais uma vez de simples passagem
demagógica e que o país, finalmente, entre em rota de crescimento acelerado e lógico,
reconhecendo que também tem um povo, e não apenas governo.
É preciso voltar a sonhar com a meta de 100 bilhões de dólares de exportação, cujo
primeiro passo já foi dado em 2000 com crescimento de mais de 15% nas nossas vendas
externas. Precisamos nos mirar no grande irmão do norte, que só de déficit na balança
comercial tem cerca de 300 bilhões de dólares ao ano, enquanto a nossa exportação não
chega sequer a 20% apenas do seu déficit, e nem a metade das exportações mexicanas.
dez/2000
Samir Keedi,
Professor universitário,
autor do livro Transportes e seguros no comércio exterior,
e tradutor do Incoterms 2000.
samir@aduaneiras.com.br
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