MERCOSUL: QUEM TEM MEDO DA ALCA?
Esta é uma interessante pergunta que venho me
fazendo há muito tempo, e quanto mais se falava na criação da ALCA maior a vontade de
escrever sobre isto. Temos visto que muitos que falam e querem a ALCA levantam dúvidas e
apontam a morte do Mercosul.
Não tenho conseguido captar o real perigo que a ALCA representa para o Mercosul, por
isso, acredito que nada melhor do que colocar os pensamentos no papel para que sejam
discutidos pelos interessados.
O pensamento geral é de que a criação deste novo e tri-continental bloco abafaria o
nosso pequeno, mas significante bloco do Mercosul, já que estaria embutido dentro dele e,
portanto, não teria mais qualquer significado.
Gostaria de discordar totalmente deste pensamento e colocar a minha pequena colher nesta
grande sopa.
Particularmente, vejo a ALCA apenas como uma grande área de livre comércio, exatamente
como seu próprio nome sugere, e não como uma união aduaneira ou algo mais profundo. Com
isto, ela deverá incrementar o comércio dentro da América, consideradas as três que
são a do Norte, a Central e do Sul, permitindo, quiçá, uma dependência menor em
relação à Europa e Ásia.
A priori, isto não é bom nem mau, e esta classificação será dada com o tempo, de
acordo com a sua utilização, e esperamos que seja a mais adequada possível.
Acredito que o que todos mais esperam é que ela não seja um mero trampolim apenas para o
grande irmão do norte colocar seus produtos nestes demais 34 países, com isto
conseguindo realizar o que não tem sido feito ao longo das últimas décadas, que é a
redução, pelo menos em parte, de seu enorme déficit na balança comercial.
Isto tem grande chance de ocorrer já que, obviamente, sendo a maior economia da região,
e a mais competitiva, tem as maiores chances de emplacar seus produtos e conseguir a
redução do déficit. Isto, obviamente, tem grandes chances de se apresentar como um
desastre para os demais sócios, e esperamos que não ocorra.
Dificilmente, no entanto, a ALCA passará a representar mais do que o retro colocado, em
face da grande diferença econômica e social entre todos os seus futuros membros.
E quanto ao Mercosul? Por que não deve ter medo da ALCA? Porque acredito que o Mercosul
não foi criado com a vocação de união aduaneira pura e simplesmente, como é hoje, mas
como algo muito maior, a exemplo da União Européia.
O Mercosul tem tudo para ser um bloco avançado, cujo começo, como qualquer criação de
bloco, tem que ser através de uma área de livre comércio e/ou união aduaneira, como
já demonstrou durante os poucos anos de sua existência, tendo incrementado em muitas
vezes o comércio na região.
Embora muitos problemas já tenham ocorrido entre os membros do clube, e muitos outros
surgirão, inevitavelmente, como todo casamento, ele tem a inequívoca vocação para
maiores avanços e para se transformar, a curto prazo, numa união forte e com pelo menos
mais 2 países, o Chile e a Bolívia. A médio prazo ele poderá incorporar a comunidade
andina e seguir com 10 países rumo a unificação de uma série de itens, cumprindo o seu
objetivo original de desenvolvimento de seus membros dentro do próprio continente.
Este novo Mercosul, até com o mesmo nome, já que então representará o Mercado Comum da
América do sul, deverá partir para vôos mais altos e arrojados como política
tributária única, livre circulação de capital e mão-de-obra, etc. e, finalmente, uma
moeda única, altamente desejável no meu ponto de vista, e em completa paridade com o
dólar norte-americano, ou mesmo este, preferivelmente.
Pode-se ver que hoje ele já é bastante cobiçado, sendo uma noiva de peso e futuro, de
tal modo que já há algum tempo se discute um acordo com a União Européia. Outra prova
de sua potência talvez seja justamente esta de desejarem acabar com ele, incorporando-o
à ALCA.
Em realidade, na visão deste interlocutor, o único perigo realmente iminente e visível
para o Mercosul vem do próprio bloco, da maneira como ele tem sido tratado pelos seus
próprios membros, em especial em face da guerra travada entre Brasil e Argentina,
aparentemente por uma hegemonia dentro do bloco, já que não consigo ver o problema de
outra maneira.
E este problema poderá, inclusive, ser agravado pela entrada do Chile, que sabemos tem
uma economia pujante e invejável. A partir de sua entrada, com bastante probabilidade,
passaremos a ter uma tríplice disputa por esta hegemonia, o que é uma pena pelos
resultados já alcançados e que são passíveis de serem ainda buscados.
Samir Keedi,
Professor universitário,
autor do livro Transportes e seguros no comércio exterior,
e tradutor do Incoterms 2000.
samir@aduaneiras.com.br
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