Transportes: multimodalidade ainda patina
"Sem caminhão, o Brasil pára". A frase que marcou as famosas greves de
caminhoneiros traduz com realismo a situação do transporte no Brasil. As privatizações
e reformas levadas adiante pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso nos três
setores básicos - portos, ferrovias e rodovias - representaram avanços, mas mantiveram o
modelo. Historicamente, o Brasil fez uma opção pelas rodovias, com o argumento de que
permitem uma malha mais extensa e com maior capilaridade.
Essa opção trava o desenvolvimento do transporte multimodal. Falta uma política de
integração que facilite o escoamento da produção, reduzindo custos e o tempo de
deslocamento das cargas. A expectativa era de que o governo criasse uma única agência
regulatória para o setor, responsável por portos, hidrovias, rodovias, ferrovias e até
pelo transporte de carga aéreo. Por pressão da Aeronáutica, o setor aéreo foi o
primeiro a ser retirado desse amplo guarda-chuva. Depois, o governo optou pela criação
de duas agências, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agência
Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Se essas duas agências, regulamentadas
depois de quase dez anos dos primeiros movimentos rumo à privatização dos transportes,
não trabalharem integradas, estará sepultada a expectativa dos especialistas de ver a
multimodalidade avançar.
O desenvolvimento harmonioso da infra-estrutura no setor dos transportes é essencial para
baratear os produtos de consumo interno e para aumentar a competitividade nas
exportações. É inconcebível, por exemplo, que milhares de toneladas de soja cheguem
aos portos em centenas de caminhões que poderiam ser substituídos por trens cargueiros.
No Brasil, os caminhões são responsáveis pela locomoção de 63% das cargas e os trens,
por apenas 20%.
Ferrovias
O setor ferroviário representa um gargalo e um amontoado de problemas, apesar de o volume
de carga transportado por trens ter aumentado 33% entre 1996 e o ano passado. Erros no
programa de privatização da Rede Ferroviária Federal, iniciado em 1996 e concluído em
1998, estão vindo à tona agora e poderão ter graves conseqüências para o futuro do
setor. As oito concessionárias não conseguiram cumprir as metas fixadas pelo Ministério
dos Transportes. Nenhuma delas fez todos os investimentos prometidos, apenas duas
cumpriram as metas de produção e somente uma, a Bandeirantes, cumpriu as metas de
segurança.
A Novoeste, que controla os 1.600 quilômetros da malha Oeste, entre Bauru (SP) e Corumbá
(MS), enfrenta os maiores problemas e trava disputa judicial com o governo federal. Pelo
contrato de privatização, ela tinha exclusividade para transportar derivados de
petróleo, mas seu monopólio foi quebrado pelo governo ao desregulamentar o setor. De 677
mil toneladas de combustíveis, passou a transportar 338 mil. Para compensar a perda de
receita, conseguiu na Justiça, em 2000, uma liminar que reduziu em 50% o valor que a
empresa deveria pagar pelo arrendamento. Tanto a Novoeste como a União recorreram da
decisão. A União perdeu o recurso e a Novoeste passou a ter isenção dos 100%, pelo
menos enquanto não for julgado o pedido principal, isto é, a revisão do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato, previsto na Lei 8.666/93, de licitações públicas.
Faltaram normas claras para as empresas e instrumentos regulatórios para o governo.
Agora, a ANTT pouco poderá fazer para evitar graves disputas judiciais. Uma cláusula
contratual das privatizações permite revisar os contratos de concessão após cinco anos
de vigência, de forma a adequar o cumprimento de metas pelas concessionárias.
Rodovias e portos
Quanto às rodovias, elas somente apresentam boas condições em corredores beneficiados
pelo alto número de pedágios. Com exceção do Estado de São Paulo, a malha rodoviária
federal, no geral, é deficitária, necessitando de investimentos em sinalização,
conservação e pavimentação. Em estado mais precário estão estradas estaduais e os
atalhos usados por caminhoneiros para escapar dos pedágios. Estima-se que o setor
precisaria receber investimentos de US$ 5 bilhões. É mais ou menos o que o governo
espera arrecadar neste ano com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
(Cide) sobre a importação de combustíveis e cujos recursos irão para o Ministério dos
Transportes.
Em relação aos portos, houve significativos avanços. O custo de embarque por contêiner
está hoje em cerca de US$ 200, contra mais de US$ 500 há dez anos. Mesmo assim, os
custos são elevadíssimos se comparados ao de portos estrangeiros. A burocracia ainda
impera, aliada ao poder de barganha dos sindicatos na contratação de mão-de-obra. Os
portos brasileiros ainda não estão preparados para absorver um aumento significativo das
exportações.
Todos esses problemas de infra-estrutura no setor de transportes são um desafio. E sua integração, uma meta a buscar. Ao governo cabe liderar o processo sem ceder a pressões ou lobbies.
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