A FUNÇÃO LOGÍSTICA DOS PORTOS
1.
Iremos reflectir hoje sobre os aspectos logísticos que quase tomam de
assalto a função dos portos. Deixaremos para próxima oportunidade temas como:
a) a maneira como estruturar serviços, na Administração
Portuária, que permitam concretizar esses aspectos, eventualmente através da criação
nela de um departamento de logística portuária;
b) a forma de implementar um tal departamento sem provocar
resistências ou perturbações nos vários elementos da Administração e em relação a
terceiros; e
c) o programa de trabalhos a curto prazo que se colocaria
a esse mesmo departamento, uma vez criado.
2.
A função dos portos tem evoluído ao longo dos tempos, sem deixar nunca de se traduzir
numa prestação de serviços aos navios e às mercadorias, na pessoa dos armadores, ou
seus representantes, e carregadores/recebedores, respectivamente. Vezes houve em que o
importante era libertar rapidamente o navio, mantendo espaço suficiente em
terra para largar a carga num período curto, sem grandes perdas de tempo.
Depois, começou a cuidar-se mais das mercadorias, prevendo e promovendo adequadas
sequências de embarque/desembarque das mesmas, e iniciou-se uma relação mais estreita e
atenta com os seus proprietários ou detentores. Presentemente, interessa gerir
articuladamente os movimentos de navios que demandam o porto, seguir os fluxos de
mercadorias que se estabelecem entre a zona portuária e os navios, do lado do
foreland, entre essa zona e os veículos, do lado do hinterland, e
entre os vários recintos ao longo da zona portuária, e finalmente monitorar as
circulações de veículos que se instituem entre as portarias e o hinterland
imediato e mediato. Toda esta gestão física de espaços e fluxos ou circulações exige
uma constante atenção aos movimentos, uma perspectiva ampla de planejamento e controlo
das intervenções, e sobretudo uma atitude pró-activa de coordenação e articulação
entre os agentes, inúmeros e de diversa natureza, que actuam no sistema logístico
portuário, É isto a logística, na sua expressão mais abrangente, como sistema de
entregas ou distribuição física, preocupada com a gestão dos tempos e dos custos e com
a procura de trade-offs custo-serviço e custo-custo. São estes conceitos e
metodologia que importa aplicar aos portos e à organização portuária.
3.
O sucesso da função logística dos portos mede-se pelo nível, intensidade e qualidade
dos serviços prestados. Quanto mais navios e mercadorias demandarem um porto, maior
importância ele assume. Para além da atractividade que o porto de um modo geral exerce,
existem serviços que promovem a comercialização dos recintos portuários. Esses
serviços pertencem, por norma e de início, à Administração Portuária, mas acabam por
ser entregues a particulares em regime de concessão. O acompanhamento da actividade
dessas concessões é outra tarefa logística que vem a caber àquela Administração.
O suporte logístico num porto tem a ver com o modo como os navios nele
são operados e assistidos, e com a maneira como as mercadorias são manuseadas nos
vários locais dessa infra-estrutura. Daí a necessidade de que a Administração
Portuária conheça o desenho do sistema logístico portuário em operação, com
identificação de fluxos, circulações e espaços, e avaliação de tempos e custos de
referência, espécie de tabuleiro de xadrez logístico, sobre o qual será
necessário actuar no sentido de melhorar as performances.
4.
No sistema logístico portuário, participa uma multiplicidade de entidades e agentes, de
que a Administração portuária é uma das mais relevantes. Nas concessões de terminais,
o seu papel limita-se a garantir que o apoio aos concessionários seja feito nas melhores
condições e com espírito de colaboração absoluta, independentemente da obrigação
que esses mesmos concessionários assumem de realizar, com as maiores
performances, a sua actividade de exploração comercial.
No movimento dos navios que demandam os cais do porto, nos fluxos de
mercadorias entre os navios e a zona portuária, nos fluxos entre esta e os veículos
rodoviários à carga e descarga, ainda nos fluxos entre os diversos recintos da zona
portuária, e finalmente nos fluxos entre as portarias dos terminais e o
hinterland, em todas estas circulações e movimentos intervém, ou deve
intervir, a Administração portuária, como tal, através dos concessionários, ou de
terceiros, quanto a nós, sempre com pleno conhecimento e total identificação desses
mesmos fluxos. E isto porque num tal volume e complexidade de fluxos se combinam cadeias
logísticas que fazem do porto elo de ligação e ponto de passagem, e que se torna
necessário acompanhar e sobretudo dinamizar.
O acesso dos navios aos cais e a sua relação com as entidades portuárias
têm uma logística subjacente, que impõe simplificação, eficiência e eficácia, e que
não dispensa a participação da Administração portuária.
A circulação das mercadorias, quer entre os navios e a zona portuária,
quer entre os diversos recintos desta, ou quer entre esta e os veículos rodoviários de
carga e descarga, pressupõe uma função portuária que compete a vários agentes, entre
os quais se encontram os concessionários, mas cuja logística interessa também à
Administração portuária.
Finalmente, o movimento de mercadorias entre as portarias dos terminais e o
hinterland, no caso do porto de Lisboa, assume a maior importância, sobretudo
porque suscita o problema da intermodalidade, na medida em que os contentores poderão,
num futuro próximo, fazer por exemplo da Bobadela um gate avançado, e
chegarem aos terminais portuários por ferrovia, ou serem escoados por via fluvial, a
partir de um local do rio Tejo não muito distante da foz, como por exemplo o antigo cais
da Central do Carregado.
Conforme se verifica, alguma coisa se tem reflectido já sobre a função
logística dos portos e as perspectivas novas que evidencia. É apenas o começo, todavia
muito prometedor.
5.
Dizia recentemente o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em artigo de opinião, que
Madrid não tem qualquer tipo de trabalho significativo desenvolvido com a
Administração do Porto de Lisboa. E que às Administrações Portuárias
talvez sobre tempo para outras iniciativas que deviam ser mais camarárias e falte o tempo
para estas matérias verdadeiramente importantes
. São apreciações injustas.
Há tempo que algumas mercadorias entradas pelo porto de Lisboa, por navio, concretamente
alumínio e bobines de papel (carga fraccionada) e plantas vivas (contentores), são
encaminhadas para Madrid, por via rodoviária, numa estratégia de aproveitamento
inteligente de retornos em vazio devidos ao facto de importarmos muito mais da vizinha
Espanha do que exportamos. Já é vontade de dizer mal!
julho/2002
A. Figueiredo Sequeira,
Professor e Consultor de Transportes, Portos e Logística
figsequeira@mail.telepac.pt
Esta página é parte integrante do www.guiadelogistica.com.br .