As novas formas de logística de suprimentos e suas variações nas diversas
montadoras recentemente instaladas no Brasil, têm permitido uma substancial redução de
custos logísticos e custos totais de produção, apoiadas nas novas configurações das
indústrias. Após quase duas décadas desde o advento do just-in-time (JIT), montadoras e
autopeças chegaram à conclusão que apenas a sua adoção não é mais suficiente para a
obtenção de vantagens competitivas duradouras. Constantes pressões para a redução de
custos e a realização da produção de forma mais eficiente e eficaz têm conduzido a
indústria automobilística para além dos limites do JIT.
Para (Collins, Bechler & Pires 1997), tal fato tem forçado a reavaliação das
atividades da sua cadeia produtiva, principalmente em termos de valor adicionado e onde e
como isso tem sido feito. A busca de melhor desempenho geral se converte em novos
desafios e oportunidades à indústria automobilística, incluindo o atendimento a novos
mercados, a rápida introdução de novos produtos, o estreitamento nas relações e a
distribuição dos canais de comunicação nas cadeias produtivas. As montadoras
automobilísticas, visando simplificar a cadeia produtiva e melhorar a sua eficiência,
têm buscado:
· Transferir (outsourcing)
atividades que tradicionalmente faziam parte de suas atribuições;
· Definir um novo conjunto
de necessidades a serem atendidas pelos fornecedores (como global sourcing, fornecimento
de sistemas e módulos completos, participação no desenvolvimento de novos produtos,
etc.).
Em resposta a essas iniciativas, empresas de autopeças têm realizado
intensivamente, em várias partes do mundo, inúmeras fusões e aquisições, resultando
em significativa reestruturação da base de fornecedores direto das montadoras. Para
adicionar valor a seus produtos e serviços, muitas dessas empresas de autopeças estão
absorvendo novas funções (como providenciar entregas sincronizadas com as necessidades
da montadora e desenvolver novos produtos em conjunto com a mesma) e tornando-se
fornecedoras de módulos (as fornecedoras diretas da montadora são responsáveis pela
montagem de peças e sub-componentes em módulos). No setor automobilístico brasileiro
também vem sendo implementado um experimento pioneiro, inovador e extremamente importante
no contexto da SCM. Trata-se do consórcio modular, implementado pela VW e por sete
fornecedores diretos da nova fábrica de caminhões e chassis de ônibus da empresa,
funcionando em Resende (RJ) desde novembro de 1996. Por seu caráter revolucionário, tal
fábrica tem recebido grande atenção e se convertido em grande laboratório para a
indústria automobilística de todo o mundo. Algumas das implicações do modelo,
principalmente no tocante ao estado da arte da SCM, serão tratadas a seguir:
· consórcio modular é um condomínio levado ao
extremo. No consórcio, o fornecedor localiza-se dentro da planta da montadora, e
realiza não só a entrega de seu sub-conjunto como também a montagem do produto final.
Nesse caso, os fornecedores first tiers são somente aqueles que participam do consórcio.
· a única fábrica automotiva no mundo que opera no sistema de consórcio modular é a planta da VW em Resende, no estado do Rio de Janeiro, inaugurada em 1996 para a produção de caminhões e chassis de ônibus (Pires, 1997).
No final de 1994, a Autolatina, uma parceria da VW e da Ford iniciada em
1987 com o objetivo maior de garantir a sobrevivência das empresas num mercado adverso,
foi dissolvida. O acordo firmado na dissolução estabelecia, entre outros aspectos, que
toda a parte do negócio relativa à produção de caminhões ficaria com a Ford. O
primeiro aspecto importante a notar é que a VW não tem tradição sólida na manufatura
de caminhões de porte médio e grande, mesmo em nível mundial. Embora firmemente
estabelecida no mercado brasileiro como um dos líderes na manufatura de automóveis,
mesmo perdendo a liderança para a Fiat nos meses de dezembro até fevereiro apenas
recentemente ingressou no promissor mercado brasileiro de caminhões. A Tabela 1 traz um
resumo do histórico da manufatura de caminhões no Brasil.
Tabela 1 Resumo histórico da manufatura de caminhões no Brasil (Franco, 2000)
Ano | Fatos relevantes no mercado e manufatura de caminhões no Brasil |
1951 | Daimler (Mercedes) Benz começa a estudar a possibilidade de fazer caminhões no Brasil |
1953 | Construção da primeira fábrica da Mercedes inicia-se; produção começa em 1956 |
1957 | Ford começa produção na sua primeira fábrica de caminhões no Brasil |
1959 | Scania e GM, ambos começam produção em suas novas fábricas no Brasil |
1965 | Chrysler começa a fazer caminhões numa velha fábrica da International Harvester |
1968 | Mercedes faz seu caminhão brasileiro de número 100.000, já tendo 30% do mercado |
1968 | Alfa Romeo compra a FNM e começa a produzir caminhões no Brasil |
1975 | Scania começa a produzir caminhões pesados |
1976 | Fiat compra operação da Alfa Romeo de caminhões e começa a fabricar caminhões Fiat |
1978 | Mercedes atinge 50% de market share; mercado brasileiro ainda fechado para importados |
1978 | VW compra 67% da Chrysler Brazil, fabricante de caminhões Dodge |
1980 | Volvo inaugura fábrica nova no Paraná para fazer caminhões pesados |
1980 | VW assume 100% da operação de caminhões da Chrysler Brasil |
1981 | VW Caminhões lança sua própria marca de caminhões médios e leves |
1985 | Fiat encerra operação de manufatura de caminhões no Brasil |
1987 | Criada a Autolatina, uma joint venture entre VW e Ford para América Latina |
1987 | Caminhões Autolatina começam a ser feitos pela Ford (Ipiranga) |
1990 | Brasil começa a abrir a economia GM, Asia, Kia começam a importar caminhões |
1991 | VW (Autolatina) começa a produzir caminhões pesados |
1994 | Fiat começa a importar caminhões |
1995 | Autolatina termina na divisão de ativos, Ford fica com fábrica de caminhões |
1996 | Fábrica nova da VW em Resende começa a operar em Novembro |
1997 | GM começa comercialização de caminhões Isuzu e GMC no Brasil |
1998 | Novos produtos passam a ser introduzidos frequentemente no mercado |
1999 | VW compra parte da operação mundial da Scania Caminhões |
Como pode ser visto pela Tabela 1 (baseada em Franco, 2.000), a VW
apoiou-se em parceiros mais experientes mundialmente na produção de caminhões em ambas
as situações, quando começou a operar no Brasil (em 1980, quando beneficiou-se da
experiência da Chrysler) e quando a Autolatina foi criada (em 1987, quando beneficiou-se
da experiência em projeto e manufatura de caminhões da Ford). Quando termina a
Autolatina e as operações da VW e Ford são divididas novamente, a VW terminou sem uma
fábrica de caminhões, já que a fábrica do Ipiranga retornou à Ford. Neste ponto do
tempo, os caminhões com marca VW (mesmo quando o acordo Autolatina estava de pé, os
veículos mantinham as marcas comerciais Ford e VW) detinham algo como 18% do mercado
global de caminhões no Brasil. Isso significava quanto a VW necessitava urgentemente de
uma fábrica capaz de manter a produção de caminhões no Brasil. A VW planejou,
então, a inauguração de uma fábrica própria para a produção de caminhões e
ônibus. Ao mesmo tempo, essa fábrica serviria para testar o conceito de Consórcio
Modular a fábrica do século XXI, segundo a VW proposto pelo
seu vice-presidente mundial de operações na época, José Ignacio López de Arriortúa.
Um trecho da entrevista de López à Folha de São Paulo (16 de outubro de 1996)
"Qualificamos o nosso relacionamento com os fornecedores de revolução, mas ele é,
também, uma profunda parceria. Essa parceria é clara para a VW, no momento, com a
instalação da nova fábrica de caminhões e ônibus que, por meio do sistema
"consórcio modular", trará os fornecedores para dentro da nossa fábrica, com
seus empregados, para montar nossos caminhões e ônibus. O mesmo acontecerá na futura
fábrica de motores. Além disso, estamos em um processo de engenharia simultânea com
nossos fornecedores. Dentro de poucos meses, a VW começa um programa de projeto e
desenvolvimento de peças de novos produtos, numa nova e importante parceria com seus
fornecedores. A VW do Brasil é a criadora do processo de produção "consórcio
modular" e será a primeira companhia do mundo a implementá-lo. A unidade de Resende
se converterá na primeira fábrica desta nova geração no processo de manufatura.
Resende é o novo "platô" da terceira revolução industrial [....] Com o
advento do "consórcio modular", a discussão sobre produtividade vai acabar.
Nenhum processo de fabricação será mais moderno e não haverá maior produtividade e
qualidade quando este conceito for definitivamente aplicado em todas as fábricas da VW no
mundo."
Womack e Jones (1998; 372) o conceito de fornecedores como parceiros visava
alcançar diminuição de custos variáveis e fixos, além de diminuição do
investimento, seriam responsáveis por parte do investimento da nova planta,
compartilhando os riscos do empreendimento. Do total de quase US$ 300 milhões
investidos quase um terço foi de responsabilidade direta dos fornecedores, caracterizando
assim o conceito de co-investimento; já que tanto a operação de montagem quanto as
instalações para a montagem seriam responsabilidade do parceiro, que
definiriam também aspectos como layout do processo de seu módulo, sua rede de
fornecedores e logística. Segundo o projeto, à VW caberiam as áreas de engenharia de
produto, controle de qualidade através do mestre, funcionário
especializado da montadora que acompanha todas as etapas de montagem nos módulos e atesta
a qualidade do produto final , distribuição, comercialização e logística do
produto final, vejam o esquema dos modulistas:
|
Layout esquemático da planta da VW Resende.
Fonte: VW Assessoria de Imprensa(1999).
Para a montadora, seria uma redefinição de seu core business, que passaria a englobar
somente as atividades relativas a finanças, o projeto, o desenvolvimento e a
certificação de produtos e as atividades de vendas e pós-vendas. Por esse motivo,
somente as áreas ligadas a essas atividades continuariam sob sua responsabilidade. A
divisão do produto em módulos foi realizada pela engenharia da VW em conjunto com a
manufatura, com vistas a viabilizar a entrega de grandes partes da fabricação à
responsabilidade de uma empresa, ou parceiro, e ao mesmo tempo racionalizar o
processo de fabricação. Ao final, chegou-se a 7 módulos: chassis, eixos e suspensão,
montagem de rodas, motor, estamparia e armação da cabine, pintura da cabine, montagem
interna da cabine. A seleção dos parceiros deu-se através de uma concorrência
mundial. No final de 1995 foi realizada uma primeira reunião com 65 possíveis
fornecedores, escolhidos pelo departamento de compras da VW, em função dos seguintes
fatores qualificadores, segundo a montadora:
· capacidade financeira para sustentar eventuais resultados negativos nos primeiros
períodos de operação;
· capacidade tecnológica comprovada, capaz de participar de projetos em esquemas
de co-design e de desenvolver processos de produção, já que à medida em que a VW se
aliena do processo de fabricação, o produto que leva a sua marca fica muito mais
dependente da tecnologia dos parceiros;
· qualidade assegurada e bons serviços de assistência técnica;
· posição global no mercado.
Quadro - Os fornecedores participantes do Consórcio
Modular da VW na sequência de montagem. (elaborado pelo autor)
PARCEIRO | MÓDULO |
Iochpe-Maxion | Chassis |
Meritor (Rockwell) | Eixos/Suspensão |
Remon (Borlem/Firestone/Iochpe) | Rodas montadas |
Powertrain(Cummins/MWM) | Motor |
VDO | Tapeçaria |
Delga | Estamparia / |
Carese (Eisemann) | Pintura |
Passados cinco anos concluí-se que a estratégia da VW em repartir com
seus parceiros uma parte do investimento, a montagem dos módulos sob a responsabilidade
dos mesmos, utilizando-se do espaço físico e compartilhando as experiências, pois na
época a VW não tinha experiência em montagem de caminhões, hoje o modelo
proporciona resultados competitivos à montadora e ainda mais com a adoção da pratica de
tailor made - personalização dos caminhões, um pós-venda agressivo, uma
flexibilidade na fabrica garantiram a montadora o segundo lugar no ranking de caminhões.
Délvio Venanzi,
Doutorando em Engenharia de Produção UNIMEP Piracicaba-SP
Consultor industrial
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