COMISSÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
DO TRANSPORTE MARÍTIMO NACIONAL
1. Costuma dizer-se que quando se pretende que tudo fique na mesma e
não se resolva nada, nomeia-se uma comissão. Parece-nos, todavia, neste caso, que uma
tal comissão será a única forma de procurar recuperar um sector que é absolutamente
decisivo para Portugal: o do transporte marítimo nacional ou, mais precisamente, o da
marinha de comércio do país. Embora sabendo-se que o mar é fundamental para todos nós,
o certo é que é praticamente nulo o que tem sido feito até agora em defesa da sua
utilização como modo de transporte. O movimento desencadeado na União Europeia a seu
favor, sob a tutela da comissária Loyola de Palácio, vem motivando os Estados-membros
para iniciativas de promoção do modo marítimo, cujo resultado tem sido bem visível,
excepto em Portugal, onde não se efectiva qualquer acção concreta. É por isso, sem
dúvida necessário, à semelhança do que foi feito para o serviço público de
televisão, nomear desde já uma comissão nesta área, essencialmente com três
objectivos: identificar o impacto que a recuperação e desenvolvimento do transporte
marítimo poderia ter entre nós, detectar exaustivamente os motivos que têm levado um
país de tradição marítima, como o nosso, a desinteressar-se do mar, e preparar a
formulação de um conjunto de medidas de estímulo à referida recuperação e
desenvolvimento.
2. Na
altura em que o transporte marítimo é considerado uma prioridade na União Europeia, de
acordo com o Livro Branco da Política Europeia de Transportes, de 12 de Setembro de 2001,
assiste-se em Portugal ao definhar do referido sector. Um importante estudo feito ao
abrigo do Programa PACT, sobre a implementação do transporte marítimo intermodal, não
teve qualquer sequência. Um recente documento publicado pela Conferência Europeia de
Ministros dos Transportes divulgava as medidas de promoção do transporte intermodal
marítimo e terrestre um pouco por toda a parte, e não mencionava sequer o nosso país. A
rede ferroviária de alta velocidade e o novo aeroporto da Ota preocupam a opinião
pública especializada, mas não há uma palavra para a via marítima. Para além de todas
as vantagens que a União Europeia reconhece no transporte marítimo, como a de ser um
modo amigo do ambiente, de preço mais baixo do que os outros modos, de grande capacidade
de transporte, que não prejudica as infra-estruturas, que provoca menos acidentes do que
o transporte rodoviário, e que não gera por norma congestionamento, a via marítima é,
para um país periférico como Portugal, uma alternativa poderosa aos modos terrestres de
acesso à Europa. E com a extensa costa de mar que possuímos, ao não utilizarmos o
transporte marítimo, ao contrário do que devíamos, temos a triste sensação de não
estarmos a aproveitar um excelente recurso natural de que dispomos. Se o fizéssemos,
decerto que o impacto seria grande, a avaliar pelo que acontece a outros países em
idênticas condições, mas que têm uma significativa frota mercante, como por exemplo a
Noruega ou a Grécia.
3. Para
já não falarmos dos Descobrimentos (!), lembramos que Portugal chegou a possuir uma
razoável marinha de comércio, quando ainda tinha colónias. Havia zonas do país, por
exemplo Ílhavo, Aveiro ou Gafanha da Nazaré, que abasteciam a nossa frota em meios
humanos, numa percentagem elevada. Quando se deu o 25 de Abril de 1974, e depois a
nacionalização dos principais armadores nacionais, no ano seguinte, não se conseguiu
assegurar qualquer espécie de protagonismo, nem no tráfego de linha regular, nem no
tramping, e poucos anos mais tarde, às empresas, então de novo privatizadas,
praticamente só restava o tráfego das Ilhas. Era difícil ter sido de maneira diversa. A
protecção de bandeira, que o tráfego com as antigas colónias garantia, não permitiu
criar qualquer capacidade competitiva que conseguisse fazer frente à concorrência que o
shipping desde há muito reclamava. Veio assim o decalabro e, quando damos por
nós, temos uma pequena frota e um número relativamente reduzido de tripulantes
Parece-nos, por tudo isto, que uma investigação exaustiva dos motivos que levaram o
país a desinteressar-se do mar constituirá um bom ponto de partida para formular um
conjunto de medidas de estímulo à recuperação e desenvolvimento do transporte
marítimo nacional.
4. Pode
dizer-se que ninguém, actualmente, se interessa pelo mar, como modo de transporte. Nem os
Poderes Públicos, nem os empresários, nem as empresas, nem as pessoas de um modo geral.
O Governo apoia pouco o sector porque diz que não pode (?). Os armadores fazem alguma
coisa mas não querem arriscar muito. Às empresas não lhes importa qual o modo utilizado
pelas suas mercadorias no transporte e ninguém lhes pode levar a mal. Não há gente que
queira ir para o mar, e as pessoas lá têm as suas razões. A situação carece portanto
de uma alteração completa e profunda, e de novos estímulos e motivações. O transporte
marítimo nacional tem de ser recuperado e desenvolver-se, para bem do futuro do país, e
as razões que levaram ao seu actual definhamento, bem compreendidas, poderão servir de
suporte a um conjunto de medidas de estímulo à recuperação e desenvolvimento. A
motivação dos agentes do sector será uma das principais missões da comissão que se
sugere seja criada. É preciso fazer conquistar a perspectiva marítima por parte do
Governo, para que este exerça nesta matéria o papel que a União Europeia presentemente
lhe exige. Importa que os armadores ganhem um novo élan no sentido de
verdadeiramente se interessarem pelo Transporte Marítimo de Curta Distância. Há que
fazer com que as empresas de um modo geral aceitem" e mesmo prefiram o
transporte marítimo nacional. Impõe-se uma ampla divulgação dos benefícios de
abraçar uma profissão como a de tripulante de um navio da marinha mercante nacional,
depois evidentemente de os criar. Existe indiscutível justificação para nomear a
Comissão sugerida. Seria prestar um bom serviço ao país. Podem crer.
setembro/2002
A. Figueiredo Sequeira,
Professor e Consultor de Transportes, Portos e Logística
figsequeira@mail.telepac.pt
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