RESUMO
Este trabalho trata da proposição de um processo metodológico a ser
empregado na etapa de planejamento de rodovias. Estuda-se a aplicação de uma análise
multicriterial para a seleção de um melhor traçado para a futura rodovia, levando em
consideração não apenas questões geométricas de engenharia, historicamente utilizadas
para a definição de diretrizes rodoviárias, mas agregando quesitos cada vez mais
importantes para a sociedade moderna, como as questões ambientais. Realizou-se a
aplicação desta metodologia ao estudo de alternativas de traçado de um trecho do
Rodoanel Mario Covas, na Região Metropolitana de São Paulo, através de entrevistas com
diversos atores da sociedade e aplicação do Método de Auxílio à Tomada de Decisão
denominado Método de Análise Hierárquica MAH (Analytic Hierarchy Process
AHP).
ABSTRACT
This paper deals with the proposition of a methodological process to be
used in the planning phase of roads. The paper refers to the development of a
multicriterial assessment for the selection of a better route for a future highway
considering not only geometrical engineering topics, often used for highways definitions,
but including topics important for the modern society, such as the environment ones. This
model was applied in a case study related to the study of alignment alternatives of the
São Paulo Ring Road, through interviews with different agents and the application of the
Analytic Hierarchy Process AHP.
A crescente
preocupação com as questões ambientais, cujos objetivos básicos estão centrados na
busca do desenvolvimento sustentável, torna cada vez mais evidente a necessidade de
avaliações das alternativas de traçado de um projeto rodoviário, realizadas com
coerência e qualidade. Enfocar os aspectos ambientais desde a etapa de estudo de
alternativas de traçado é considerado, por técnicos e consultores de países
desenvolvidos, como o mais correto e econômico caminho para assegurar o bom
desenvolvimento de um empreendimento rodoviário (McCormack, 2001).
A tomada de decisão para a definição da melhor diretriz de traçado para
uma futura rodovia pode ser considerada como uma das etapas mais importantes e delicadas
para o seu sucesso. Assim, um empreendimento rodoviário, caracterizado pela sua
multidisciplinaridade, necessita passar por uma análise criteriosa, fundamentada em um
método multicriterial de auxílio à tomada de decisão que assegurará ao empreendedor,
e aos demais atores da sociedade participantes no processo de implantação, uma
ordenação das alternativas de traçado propostas, indicando a solução mais adequada
para que esta posteriormente obtenha o Licenciamento Ambiental, seja detalhada em projeto
e implantada com sucesso (Lisboa, 2002).
Neste trabalho
optou-se pela utilização de um método multicriterial de auxílio à tomada de decisão
de autoria do Prof. Thomas Saaty da Universidade da Pensilvânia, denominado Método de
Análise Hierárquica MAH, do inglês Analytic Hierarchy Process AHP,
ensejando inclusive uma avaliação estratégica e preliminar de impactos
sócio-ambientais. Nas áreas de transporte e meio ambiente observa-se a utilização do
MAH em diversas referências bibliográficas, tais como: Rabbani; Rabbani (1996); DERSA
(2000); Ramanathan (2001); Zhu; Dale (2001); Gomes; Lima (1991); Kalamaras et al. (2000);
entre outras.
O MAH baseia-se inicialmente em uma estruturação hierárquica dos objetivos,
critérios/indicadores e alternativas consideradas no estudo. Posteriormente, conforme os
grupos determinados na estrutura hierárquica, realizam-se comparações entre pares de
critérios/indicadores, quanto à importância de cada critério/indicador em relação ao
objetivo do trabalho, estabelecendo matrizes de comparações paritárias. Através da
técnica do autovetor (Saaty, 1980), o MAH calcula os pesos locais e globais para cada
critério/indicador nos vários níveis hierárquicos e em relação às alternativas em
estudo. Assim, torna-se possível estabelecer uma ordenação das alternativas e decidir
pela qual escolher como a mais adequada neste processo de decisão.
Saaty (1990) apud Morita
(1998) considera que a tarefa mais importante na análise de decisão é a escolha dos
fatores relevantes para a decisão. Assim, buscando uma coerência teórica condizente com
as reais necessidades para a tomada de decisão na avaliação e seleção de alternativas
de traçado de rodovias, o modelo proposto por Lisboa (2002) foi desenvolvido em três
etapas, conforme a seguir:
Numa 1ªetapa, analisou-se 7 (sete) experiências anteriores, onde a seleção de
alternativas rodoviárias foi realizada levando em consideração aspectos ambientais.
Esta análise permitiu a escolha dos critérios e indicadores mais significativos, ou
seja, os que melhor representassem os diversos aspectos que influenciam direta e
indiretamente na qualidade e no sucesso de um empreendimento rodoviário. A bibliografia
pesquisada foi: Passounneau; Gunnerson; Miller (1975); The Consulting Engineer (1972);
Duttenhoeffer; Padwal; Kirkyla (1976); Department of Transport (1982); Lober; Wilson
(1988); DERSA (1999); Kalamaras et al. (2000).
A partir da análise destes estudos também foi possível estabelecer os
critérios e indicadores considerados como suficientes para fundamentar a metodologia
proposta neste trabalho, considerando multicritérios dispostos em níveis hierárquicos,
conforme apresentado na tabela 1.
Considerando as peculiaridades do MAH e do software disponível, a
definição e organização dos critérios e indicadores selecionados deveria realizar-se
de tal forma que se reduzisse a quantidade de julgamentos entre pares de
critérios/indicadores (85 julgamentos neste caso), a fim de evitar morosidade e
desinteresse e, que estes estivessem dispostos em uma estrutura hierárquica de no máximo
quatro níveis. Cabe destacar que para um conjunto de n indicadores, deve haver um total
de n.(n-1)/2 julgamentos comparativos.
Assim, em uma 2ª etapa, adotando a técnica denominada brainstorming, os
objetivos, critérios e indicadores apresentados na tabela 1 (1ªetapa) foram analisados
por técnicos especialistas da área de engenharia rodoviária e da área ambiental. O
resultado desta etapa pode ser verificado na tabela 2 a seguir, observando-se que o
número de julgamentos totais foi reduzido para 36 (trinta e seis). Desta forma, este
conjunto de critérios e indicadores passa a ser considerado como um Conjunto Básico de
fatores de análise para o estudo proposto.
Tabela 1: Conjunto Inicial de Critérios e Indicadores |
|||||
CRITÉRIOS |
INDICADORES |
UNIDADES |
|||
Nível 1 |
Nível 2 |
Nível 3 |
Nível 4 |
Nível 5 |
|
ASPETOS
ECONÔMICOS |
custo /
benefício |
custo de implantação (sem considerar desapropriação e reassentamento) = custo
de construção |
R$ |
||
ASPECTOS
CONSTRUTIVOS |
aspectos
geotécnicos |
% Extensão em unidades homogêneas |
km |
||
ASPECTOS
OPERACIONAIS E DE SEGURANÇA DE TRÁFEGO |
tráfego de
passagem |
% Extensão em rampa máxima |
% |
||
% Extensão em raio mínimo |
% |
||||
sinuosidade ou tortuosidade |
°/km |
||||
tráfego local |
nº de vias locais atravessadas e preservadas |
rodovia; estrada secundária; via urbana estrutural; via urbana arterial |
un |
||
pedestres |
% Extensão em área urbanizada |
% |
|||
ASPECTOS
AMBIENTAIS |
meio antrópico |
interferência na fase de Obra |
Nenhuma;
pouca; moderada; excessiva |
||
desenvolvimento regional/urbano |
relação com o Plano Diretor |
sim não |
|||
ruptura social / relação com o viário local |
dispositivos de passagem superior e inferior previstos |
un |
|||
% Extensão em área urbanizada |
un |
||||
uso do solo |
área urbanizada; favela/invasão |
un.habitacionais |
|||
mineração; área industrial; área desocupada; agricultura; pecuária |
m² |
||||
situação fundiária |
desapropriação |
área pública; área privada vazia ou pouco ocupada; área privada densamente
ocupada |
unidades
habitacionais |
||
reassentamento |
área pública área privada |
un.habitacionais |
|||
meio biótico |
cobertura do solo |
reflorestamento; campos; capoeiras; brejo; matas |
m² |
||
matas ciliares |
m |
||||
áreas legalmente protegidas (APP, APM e sítios arqueológicos) |
m² |
||||
meio Físico |
poluição da água |
cursos dágua atravessados (córregos, rios e lagos) |
un |
||
poluição do ar |
% Extensão em rampa máxima |
% |
|||
ruídos e vibrações |
% Extensão em zonas iso-sonoras |
% |
|||
Intrusão Visual |
Impacto na paisagem de fora da rodovia |
unidades
habitacionais a menos de 300m da faixa de Domínio |
Em uma 3ª etapa,
realizou-se a definição do Conjunto Final de Critérios e Indicadores de análise e
avaliação, a partir do conjunto desenvolvido para a 2ª etapa e considerando a
disponibilidade de dados para aplicação do modelo, pois a fonte de dados para o estudo
de caso em questão (DERSA, 1999) não contemplava integralmente os critérios e
indicadores tal como definidos.
O modelo proposto foi testado em três segmentos do trecho Norte do
Rodoanel Mário Covas, com a utilização dos critérios e indicadores da tabela 3 a
seguir. Esta configuração final de critérios e indicadores define uma quantidade total
de 27 (vinte e sete) julgamentos.
Tabela 2: Conjunto Básico de Critérios e Indicadores
CRITÉRIOS |
INDICADORES |
UNIDADES |
||
Nível 1 |
Nível 2 |
Nível 3 |
Nível 4 |
|
ASPECTOS ECONÔMICOS |
custo
de implantação (obra + desaprop. + reassentamento + operacional) |
R$ |
||
ASPECTOS CONSTRUTIVOS |
obras en superfície |
áreas favoráveis |
% de extensão em superfície |
|
áreas com algumas restrições |
% de extensão em superfície |
|||
áreas com severas restrições |
% de extensão em superfície |
|||
obras especiais |
pontes e viadutos |
quantidade |
||
túneis |
% de extensão em túnel |
|||
contenções |
área em m² |
|||
ASPECTOS OPERACIONAIS E DE SEGURANÇA DE TRÁFEGO |
tráfego de passagem |
raio mínimo |
% de extensão em raio mínimo |
|
rampa máxima |
% de extensão em rampa máxima |
|||
tráfego local |
interseções |
quantidade |
||
passagens superiores e inferiores |
quantidade |
|||
vias marginais coletoras |
% de extensão |
|||
tráfego de pedestres |
passarelas previstas |
quantidade |
||
ASPECTOS AMBIENTAIS |
impactos no uso do solo urbano |
desapropriações de unidades produtivas |
área em m² |
|
desapropriações de residências |
unidades habitacionais |
|||
reassentamento populacional |
n° de famílias |
|||
impactos no uso do solo rural |
travessia de áreas de preservação |
vegetação nativa arbórea desenvolvida |
área em m² |
|
vegetação nativa pouco desenvolvida |
área em m² |
|||
travessia de áreas de reflorestamento, pastagem e agricultura |
área em m² |
|||
travessia de Parques em nível |
área em m² |
|||
travessia de áreas degradadas |
área em m² |
|||
impactos no meio físico |
interferências com recursos hídricos |
nº de cursos dágua |
||
impactos na qualidade do ar |
% de extensão em rampa máxima |
|||
ruídos |
área urbanizada em m² sujeita a ruídos entre 50dB(A) e 100dB(A) |
Tabela 3: Conjunto Final de Critérios e Indicadores
CRITÉRIOS |
INDICADORES |
UNIDADES |
|
Nível 1 |
Nível 2 |
Nível 3 |
|
ASPECTOS ECONÔMICOS |
custo de implantação (custo de obra + custo de desapropriação + custo de reassentamento + custo
operacional) |
R$ |
|
ASPECTOS CONSTRUTIVOS |
obras em superfície |
áreas favoráveis |
% de extensão em superfície |
áreas com algumas restrições |
% de extensão em superfície |
||
áreas com severas restrições |
% de extensão em superfície |
||
obras especiais |
pontes e viadutos |
quantidade |
|
túneis |
% de extensão em túnel |
||
ASPECTOS OPERACIONAIS E DE SEGURANÇA DE TRÁFEGO |
tráfego de passagem |
raio mínimo |
% de extensão em raio mínimo |
rampa máxima |
% de extensão em rampa máxima |
||
tráfego local |
nº de vias locais interrompidas/km |
||
tráfego de pedestres |
% de extensão em área urbanizada |
||
ASPECTOS AMBIENTAIS |
impactos no uso do solo urbano |
desapropriações de unidades produtivas |
área em m² |
desapropriações de residências |
unidades habitacionais |
||
reassentamento populacional |
nº de famílias |
||
impactos no uso do solo rural |
vegetação nativa |
área em m² |
|
travessia de áreas de reflorestamento, pastagem e agricultura |
área em m² |
||
travessia de Parques em nível |
área em m² |
||
impactos no meio físico |
interferências com recursos hídricos |
nº de cursos dágua/km |
|
impactos na qualidade do ar |
% de extensão em rampa máxima |
||
ruídos |
área urbanizada em m² sujeita a ruídos entre 50dB(A) e 100dB(A) |
Os segmentos analisados
integram o Rodoanel Mário Covas, empreendimento rodoviário com objetivos múltiplos,
cuja função principal é a de desviar os veículos de passagem e de cargas do perímetro
urbano da região metropolitana de São Paulo. O Rodoanel deverá atender tanto a demandas
de transporte de cargas, quanto de transporte de passageiros, podendo canalizar viagens
exclusivamente rodoviárias (com origens e destinos fora da RMSP) ou viagens internas (com
origem e destino na RMSP). Apresenta, ainda, um grande potencial como elemento
estruturador do uso e ocupação do solo e do processo de expansão urbana (DERSA, 1998).
Tabela 4: Quantitativos dos critérios e indicadores definidos para o Estudo de Caso
|
INDICADOR |
UNIDADE |
Segmento 1 |
Segmento 2 |
Segmento 3 |
|
|||||||||||||||||||||||
|
alternativa 1 (Verde) |
alternativa 2 (Vermelha) |
alternativa 3 (lilás) |
alternativa 4 (laranja) |
alternativa 1 (verde) |
alternativa 2 (vermelha) |
alternativa 3 (lilás) |
alternativa 4 (laranja+lilás) |
alternativa 1 (verde) |
alternativa 2 (vermelha) |
alternativa 3 (azul) |
||||||||||||||||||
Custo de
implantação |
R$x1.000,00 |
376,1 |
488,8 |
467,9 |
400,1 |
90,2 |
81,5 |
109,0 |
93,2 |
91,8 |
127,9 |
104,2 |
|
||||||||||||||||
Áreas
Favoráveis |
% de extensão
em superfície |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
|
||||||||||||||||
Áreas com
algumas restrições |
% de extensão
em superfície |
23% |
6% |
15% |
46% |
30% |
57% |
63% |
62% |
42% |
62% |
61% |
|
||||||||||||||||
Áreas com
severas restrições |
% de extensão
em superfície |
19% |
16% |
7% |
13% |
70% |
43% |
37% |
38% |
58% |
38% |
39% |
|
||||||||||||||||
Pontes e
Viadutos |
unidades |
1 |
0 |
0 |
1 |
2 |
3 |
2 |
1 |
2 |
2 |
2 |
|
||||||||||||||||
Túneis |
% de extensão
em túnel |
58% |
78% |
78% |
41% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
|
||||||||||||||||
Raio Mínimo |
% de extensão
em raio mínimo |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
|
||||||||||||||||
Rampa Máxima |
% de extensão
em rampa máxima |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
51% |
0% |
0% |
|
||||||||||||||||
Tráfego local |
Nº de vias
locais interrompidas/km |
0,26 |
0,00 |
0,00 |
2,93 |
1,19 |
1,02 |
1,16 |
1,35 |
0,51 |
0,51 |
0,00 |
|
||||||||||||||||
Tráfego de
Pedestres |
% de extensão
em área urbanizada |
0% |
0% |
0% |
44% |
42% |
21% |
46% |
38% |
7% |
8% |
0% |
|
||||||||||||||||
Desapropriação
de Unidades Produtivas |
área em ha |
8,56 |
0,00 |
0,00 |
4,68 |
0,00 |
6,35 |
20,64 |
17,81 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
|
||||||||||||||||
Desapropriação
de Residências |
nº de
residências |
85 |
0 |
0 |
2.434 |
812 |
364 |
250 |
447 |
1.159 |
1.060 |
582 |
|
||||||||||||||||
Reassentamento
Populacional |
nº de famílias
a serem reassentadas |
0 |
0 |
0 |
254 |
346 |
485 |
1.624 |
989 |
0 |
0 |
0 |
|
||||||||||||||||
Travessia de
Vegetação Nativa |
área em ha |
388,9 |
174,8 |
168,6 |
261,6 |
387,8 |
407,2 |
319,4 |
364,3 |
616,5 |
562,6 |
756,9 |
|
||||||||||||||||
Travessia de
Reflorestamento/Agricultura e Pecuária |
área em ha |
0 |
0 |
0 |
0 |
24,3 |
67,3 |
111,2 |
88,5 |
0 |
78,4 |
50,5 |
|
||||||||||||||||
Travessia de
Parques em Nível |
área em ha |
33,15 |
0,00 |
0,00 |
33,15 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
|
||||||||||||||||
Interferências
com recursos hídricos |
nº de cursos
d'água atravessados/km |
0,92 |
0,64 |
0,66 |
1,40 |
2,57 |
2,85 |
3,09 |
3,27 |
2,69 |
2,37 |
2,51 |
|
||||||||||||||||
Impactos na
qualidade do ar |
% de extensão
em rampa máxima |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
0% |
51% |
0% |
0% |
|
||||||||||||||||
Ruídos |
área urbanizada
em km² exposta a ruídos entre 50dB(A) e 100dB(A) |
1,73 |
0,46 |
0,46 |
2,15 |
1,14 |
0,85 |
1,55 |
2,10 |
1,30 |
1,36 |
0,75 |
|
||||||||||||||||
Os julgamentos dos
diversos critérios e indicadores foram realizados quanto à importância relativa deles
em relação ao objetivo do modelo proposto: seleção da alternativa de traçado mais
adequada para uma rodovia que atravessa trecho urbanizado, neste estudo de caso, três
segmentos do trecho Norte do Rodoanel Mário Covas. Para o julgamento da importância de
cada critério / indicador em relação ao objetivo considerou-se, nas comparações
paritárias, qual critério / indicador seria mais crítico, desejável em menor
quantidade. Em seguida, o entrevistado deveria estabelecer a relação de intensidade
desta importância, tal como estabelecido por Saaty (1980) e apresentada na tabela 5.
A partir das entrevistas e preenchimento dos questionários, foram
realizadas as tabulações das respostas. Para que fosse possível estabelecer julgamentos
médios de cada grupo, bem como um julgamento médio de todos os entrevistados, foi
necessária uma adaptação dos fatores de ponderação do MAH (Saaty, 1980), tal como
demonstrado na tabela 5 a seguir, na coluna relativa aos fatores ADOTADOS. Um caso de
adaptação semelhante, para cálculo de média, foi utilizado em Palhares (2000).
Tabela 5: Correlação de fatores de julgamento
Relação de
Importância |
Fatores do MAH |
Fatores ADOTADOS |
Mesma
importância |
1 |
0 |
Pouco mais
importante |
3 |
2 |
Muito mais
importante |
5 |
4 |
Muitíssimo mais
importante |
7 |
6 |
Extremamente
mais importante |
9 |
8 |
Após os cálculos de
julgamentos médios por grupo e de todos os entrevistados, foi necessário, para a
inserção dos dados de julgamentos no Expert Choice, a correlação dos fatores ADOTADOS
resultantes dos cálculos de médias aritméticas, para fatores de julgamento do MAH,
conforme correlação indicada na tabela 5. Assim, alimentou-se o software Expert Choice
com todos os julgamentos obtidos: 34 julgamentos individuais, 13 julgamentos médios de
grupos e 1 julgamento médio de todos os entrevistados.
4.1. Consistência dos julgamentos
A principal verificação
a ser realizada, após a inserção dos dados de julgamentos no software, é a
determinação da Razão de Consistência - RC das matrizes de julgamentos resultantes.
Considerando que somente as matrizes com três ou mais elementos estão sujeitas a
inconsistências, constata-se que, neste caso, houve 7 matrizes de comparações
paritárias que foram analisadas pela Razão de Consistência RC, identificadas na
tabela 6 a seguir.
Observando as razões de consistência das matrizes correspondentes a cada
questionário, às médias dos grupos e à média de todos os questionários, e seguindo
as diretrizes de Saaty (1980), foi possível identificar quais e quantas matrizes de
julgamentos estavam inconsistentes (RC=0,10). A tabela 7, a seguir, resume os dados
quantitativos destes resultados.
Analisando os resultados obtidos, pôde-se observar que a grande
inconsistência apresentada nas matrizes de julgamentos individuais (61% dos casos) foi
reduzida no caso dos julgamentos médios por grupo (53%). Da mesma maneira, os resultados
das matrizes de julgamentos médios de todos os questionários apresentaram boas Razões
de Consistência, apenas 14%, ou seja, 1 (uma) matriz, foi considerada
inconsistente.
Tabela 6: Relação de matrizes de comparações paritárias
MATRIZ |
ORDEM (n x n) |
ELEMENTOS |
N° DE
JULGAMENTOS |
1 - Obras
em superfície |
3 x 3 |
Áreas
Favoráveis |
3 |
Áreas com
Algumas Restrições |
|||
Áreas com
Severas Restrições |
|||
2 -
Aspectos operacionais e de segurança de tráfego |
3 x 3 |
Tráfego de
Passagem |
3 |
Tráfego Local |
|||
Tráfego de
Pedestres |
|||
3
Impactos no uso do solo urbano |
3 x 3 |
Desapropriações
de Unidades Produtivas |
3 |
Desapropriações
de Residências |
|||
Reassentamento
Populacional |
|||
4
Impactos no uso do solo rural |
3 x 3 |
Vegetação
Nativa |
3 |
Reflorestamento,
Pastagem/ Agricultura |
|||
Travessia de
Parques em Nível |
|||
5
Impactos no meio físico |
3 x 3 |
Interferências
com Recursos Hídricos |
3 |
Impactos na
Qualidade do Ar |
|||
Ruídos |
|||
6
Aspectos Ambientais |
3 x 3 |
Impactos no Uso
do Solo urbano |
3 |
Impactos no Uso
do Solo Rural |
|||
Impactos no Meio
Físico |
|||
7
Aspectos Principais |
4 x 4 |
ASPECTOS
ECONÔMICOS |
4 |
ASPECTOS
CONSTRUTIVOS |
|||
ASPECTOS
OPERACIONAIS E DE SEGURANÇA DE TRÁFEGO |
|||
ASPECTOS
AMBIENTAIS |
Tabela 7:
Razões de Consistência
JULGAMENTOS OBTIDOS |
N° DE MATRIZES
ANALISADAS |
|||||
Por grupo de
julgamento |
TOTAL |
CONSISTENTES |
INCONSISTENTES |
|||
RC<0,10 |
0,10=RC<0,20 |
RC=0,20 |
Sub-total |
|||
34 individuais |
7 sujeitas a
inconsistências |
238 |
94 |
59 |
85 |
144 |
100% |
39% |
25% |
36% |
61% |
||
13 médias de
grupos |
91 |
43 |
27 |
21 |
48 |
|
100% |
47% |
30% |
23% |
53% |
||
1 média de
todos |
7 |
6 |
1 |
0 |
1 |
|
100% |
86% |
14% |
0% |
14% |
Segundo Morita (1998),
quando a situação se mostra inconsistente, pode-se supor que a inconsistência esteja
indicando erro de avaliação entre pares ou haja falha na estruturação do problema. O
autor prossegue afirmando que a recomendação do MAH para reduzir o alto nível de
inconsistência é a revisão dos julgamentos das matrizes de comparações paritárias
correspondentes.
Neste trabalho, quando uma matriz resultante de julgamentos realizados
pelos atores entrevistados foi considerada inconsistente, não foi possível a
realização da revisão de seus julgamentos correspondentes, devido à grande quantidade
de comparações a serem novamente realizadas em novos encontros com as pessoas
entrevistadas. Cabe destacar, que os julgamentos realizados pelas 34 entidades
entrevistadas resultaram em 144 matrizes consideradas inconsistentes, de um total de 238
matrizes, resultantes de 489 comparações paritárias (375 comparações de matrizes
quadradas de ordem 3 e 114 comparações de matrizes quadradas de ordem 4).
Morita (1998) considera que caso a inconsistência persista após uma
revisão dos julgamentos, duas hipóteses devem ser consideradas: estes fatores não são
regidos pela relação de transitividade ou o conhecimento dos fatores de decisão é
insuficiente.
Assim, mesmo não
realizando revisões de julgamentos, estas duas hipóteses foram analisadas, conforme a
seguir:
- A primeira hipótese não ocorre em nenhum caso dos critérios e indicadores
definidos neste trabalho, pois todos respeitaram a relação de transitividade entre os
fatores de julgamentos (aik . akj = aij). Mesmo a matriz 1, inconsistente em diversos
casos, apresentou em 10 das 34 matrizes RC=0,06;
- A segunda hipótese, mais plausível, poderia ser justificada pela heterogeneidade e
reduzido número de entrevistados.
Outra justificativa está
relacionada ao limite superior da escala de fatores do MAH (tabela 5) pois, segundo Morita
(1998), a limitação superior pelo número 9 não é apresentada por Saaty (1980)
através de um forte embasamento teórico. O autor considera que o uso deste limite
deve-se mais à simplicidade e facilidade do manuseio de operação. O efeito do
corte superior sempre poderá aparecer, desde que a faixa de abrangência seja
limitada. Este efeito é observado quando existir transitividade com os elementos perto da
relação máxima, o que de fato ocorreu em alguns questionários, notoriamente em
relação aos julgamentos da matriz 1 - Obras em superfície.
Assim, os fatores que determinaram a quantidade de inconsistências
observadas na tabela 7 foram o conhecimento insuficiente de alguns fatores de decisão por
alguns dos indivíduos entrevistados e o limite superior da escala de fatores do MAH.
Apesar destas inconsistências, os julgamentos foram avaliados como válidos, considerando
as justificativas apresentadas, apesar do universo pesquisado estar amostrado por um
número reduzido de entrevistas.
4.2. Resultados obtidos
Após alimentação do
Expert Choice com os dados relativos aos julgamentos entre pares de critérios /
indicadores, e após verificação da Razão de Consistência das matrizes de
comparações paritárias correspondentes, o software calcula as prioridades relativas de
grupo de critério / indicador em relação ao critério / indicador posicionado no nível
superior (Peso Local). Automaticamente, o Expert Choice realiza a consolidação de todos
os pesos, propagando o efeito dos pesos na estrutura até o nível das alternativas (Peso
Global).
Tabela 8:
Pesos globais das alternativas de traçado analisadas
SEGMENTO |
ALTERNATIVA |
RESULTADO
(Peso Global em %) |
|
1 |
1 |
Verde |
24,73 |
2 |
Vermelha |
12,44 |
|
3 |
Lilás |
12,20 |
|
4 |
Laranja |
50,63 |
|
2 |
1 |
Verde |
22,20 |
2 |
Vermelha |
20,94 |
|
3 |
Lilás |
29,20 |
|
4 |
Laranja+lilás |
27,66 |
|
3 |
1 |
Verde |
40,38 |
2 |
Vermelha |
35,28 |
|
3 |
Azul |
24,34 |
Para o segmento 1, a
alternativa 3 (lilás) resultou na mais adequada, com 12,20%. Para o segmento 2, a
alternativa 2 (vermelha) foi a mais adequada, com 20,94%. Para o segmento 3, a alternativa
3 (azul) resultou na mais adequada, com 24,34%.
Cabe destacar que pesos globais com valores próximos indicam similaridade
entre alternativas. Esta observação auxilia no entendimento dos resultados obtidos pelo
modelo proposto, apresentados na tabela 8. Assim, no segmento 1, por exemplo, a
alternativa 2, com peso global de 12,44%, apenas 0,24% maior que o da alternativa 3
(12,20%) pode ser considerada como bastante similar à alternativa 3, considerada a mais
adequada conforme os critérios e indicadores adotados e as comparações realizadas.
Destaca-se, também, que as alternativas 1 e 4, com pesos globais de 24,73% e 50,63%,
respectivamente, são muito menos adequadas do que as outras alternativas, devido às
diferenças relativas de pesos globais.
Os resultados obtidos para a seleção da
alternativa de traçado para três segmentos do trecho Norte do Rodoanel Mario Covas,
indicam a viabilidade de aplicação do modelo proposto e apontam para algumas vantagens
na sua utilização (avaliação multicriterial x avaliação unicriterial).
A metodologia apresentada e testada, com a utilização do MAH, enseja o início de uma
avaliação de impactos ambientais em nível estratégico e preliminar. Assim, a
classificação obtida das alternativas pela ordenação de seus pesos globais, tem o
propósito de indicar ao tomador de decisão (o empreendedor) qual alternativa de traçado
é a mais adequada para cada segmento rodoviário estudado, considerando aspectos
econômicos, construtivos, operacionais e de segurança de tráfego, além dos ambientais,
bem como o distanciamento das demais alternativas.
Pode-se considerar que o método multicriterial de auxílio à tomada de decisão adotado,
o Método de Análise Hierárquica MAH, apresenta uma forte dependência das fases
da estruturação do problema. Grande parte da resolução do problema não está na fase
de avaliação, isto é, no preenchimento das matrizes através dos julgamentos
paritários entre critérios / indicadores. A definição e estruturação dos critérios
e indicadores e a definição das alternativas são de fundamental importância para o
processo de decisão, pois uma vez eles sejam coerentemente estabelecidos, não haverá
dúvidas para a realização dos julgamentos pelos entrevistados. Conseqüentemente a
probabilidade de ocorrerem julgamentos inconsistentes é diminuída.
Em novas pesquisas já em andamento pretende-se utilizar um método interativo, a fim de
estender a capacidade do modelo proposto, por exemplo com a utilização de uma nova
versão do Expert Choice. Desta maneira, certas inconsistências de julgamentos observadas
no estudo de caso apresentado certamente não ocorrerão, pois determinados julgamentos
considerados inconsistentes serão revistos interativamente. Além disso, os resultados
dos julgamentos poderão ser apresentados aos entrevistados de imediato, tornando o
processo de classificação e seleção de alternativas de traçado para rodovias que
atravessam áreas urbanizadas muito mais eficiente e confiável.
Concluindo, o modelo proposto pode ser considerado como uma contribuição para a tomada
de decisão, em nível estratégico e preliminar, para a classificação e seleção de
alternativas de traçado para rodovias. De posse dos resultados do modelo e de suas
análises, o tomador de decisão (o empreendedor rodoviário) pode considerar que uma
decisão técnica coerente está sendo proposta, com o consenso de grupos representantes
da sociedade.
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abril/2003
Marcus Vinicius Lisboa,
Graduado em Eng. Civil com Ênfase em Transportes pela Faculdade de Engenharia Industrial
- FEI.
Mestre em Eng. de Transportes pela Escola Politécnica da USP.
Doutorando em Eng. de Transporte pela Escola Politécnica da USP.
Professor do Departamento de Transportes e Obras de Terra da FATEC-SP.
Consultor na área de Análise de Decisão em Transporte e Meio Ambiente.
mvlisboa@gmail.com
Tel. 11- 8101 6198
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