Nos últimos tempos o tema da Qualidade e Certificação nas
Empresas de Transporte, tem-se assumido como um factor crítico de sucesso na
prestação de um serviço de transporte de mercadorias. Importa no entanto salientar que
a certificação de qualidade, não confere a garantia de uma gestão de qualidade, mas
sim que a empresa segue um referencial de qualidade (norma de qualidade).
Neste contexto, assume particular importância a consciencialização por parte das
estruturas dirigentes deste sector económico da importância de implementação de um
verdadeiro Sistema de Qualidade, não numa perspectiva necessariamente redutora de
sistematização de processos preexistentes, mas que se traduza em alterações
fundamentais na estrutura e organização do negócio de modo a maximizar os potenciais
benefícios da sua aplicação. Ou seja, o objectivo não é a existência de um sistema
documental de qualidade, mas sim a implementação de um sistema de gestão da qualidade
documentado.
...Uma sobrevalorização da certificação de sistemas da qualidade em
detrimento de uma gestão da qualidade baseada no comprometimento total dos dirigentes e
na melhoria contínua pode ter como consequência que a Economia Europeia chegue ao
século XXI com 10 anos de atraso em relação aos seus mais directos competidores.
J.M. Juran
No entanto, temos de ter consciência que presentemente estamos a viver uma fase de
profunda alteração na estrutura da economia dos transportes, com as suas consequentes
implicações a nível da exigência na qualidade do serviço prestado. Realidades
emergentes como o transporte porta-a-porta, intermodalidade, adição de valor
acrescentado ao longo da cadeia logística, são conceitos que levam a considerar o
transporte como um conjunto, da origem ao destino final [1].
...A ideia que tem vindo a crescer consiste em ver todo o processo de
transporte, desde o produtor ao consumidor, de uma forma integrada, e por conseguinte
regido por um bill of lading (conhecimento de carga).
Hayuth, in Intermodalism and the US Port System, Shipping Economist 1985
É assim da conjunção destas duas vertentes, ou seja a necessidade de o
transporte ser perspectivado como um conjunto desde a origem ao destino final, em paralelo
com a necessidade de reflexão sobre quais serão os requisitos associados à prestação
de um serviço de transporte de qualidade que nasce o título do artigo:
-
Factores de Qualidade na Cadeia Logística -
Importa no entanto salientar que o artigo não se centra nos aspectos
relacionados com a implementação e certificação de um sistema de qualidade, mas visa a
reflexão, numa perspectiva mais abrangente, sobre quais os requisitos de qualidade a
satisfazer na prestação de um serviço de transporte.
Ao reflectirmos sobre a problemática da Qualidade na Cadeia Logística, não
podemos esquecer as especificidades inerentes à prestação de um serviço de transporte,
que determinam a sua abordagem de uma forma diferenciada relativamente à prestação de
outros serviços em outros sectores económicos.
Numa linha de fabrico de produtos, é possível produzir, inspeccionar, ensaiar,
reparar, armazenar, e posteriormente entregar o produto. Em serviços, como no caso da
prestação de um serviço de transporte, pode-se definir, planear e preparar o serviço,
mas este é consumido no momento em que é produzido. Uma vez prestado o serviço, este
já não se pode reproduzir para análise e ensaios.
Se a qualidade de um produto depende muito das matérias-primas e dos métodos
produtivos, a qualidade de um serviço depende sobretudo da pessoa que o presta. Acresce
que, numa empresa de transportes, a produção é dispersa e móvel, tendo de acontecer em
tempo real e de acordo com os anseios momentâneos dos clientes.
Assim, considerando o actual contexto económico internacional, a necessidade de
perspectivar o serviço de transporte como um todo desde a expedição da
mercadoria até à sua recepção, as exigências e expectativas dos clientes, a
necessidade de integração da política ambiental na política comum de transportes e as
especificidades inerentes à prestação de um serviço de transporte, podemos enumerar os
seguintes factores de qualidade na cadeia logística de transporte:
- Menores Custos
- Maior Frequência
- Velocidade de Deslocação
- Pontualidade e Regularidade
- Qualidade Ambiental
- Grau de Complementaridade
- Segurança
- Conformidade da Mercadoria à Chegada
- "Tailor Made- Fato à Medida
- Informação em Tempo Real
Factores de Qualidade no Transporte Rodoviário de Mercadorias
O transporte rodoviário de mercadorias oferece a vantagem excepcional de ser o
único modo de transporte que pode assegurar o transporte porta-a-porta de
cadeia contínua e, simultaneamente, assumir-se como único elo da cadeia
logística de transporte indispensável no transporte porta-a-porta de cadeia
quebrada.
Embora o transporte rodoviário de mercadorias seja previsivelmente o modo
de transporte mais penalizado pela implementação de um modelo de transporte baseado no
princípio do utilizador-pagador, através da tarifação dos custos sociais
marginais, tal como previsto no Livro Branco Política Europeia de Transportes rumo
a 2010 Tempo para decidir, é nossa opinião que o sector mais do que assumir
uma posição de oposição primária ao novo modelo proposto, deverá consciencializar-se
da inviabilidade a prazo, dos actuais padrões de mobilidade redefinindo e reestruturando
a sua estratégia de actuação no mercado.
Assim, embora a IRU (International Transport Road Union) continue a
defender a manutenção da actual política de regulamentação directa (visando a
redução/eliminação dos efeitos nocivos na fonte), tendo mesmo sido alcançados
progressos significativos neste domínio, os problemas de congestionamento, o carácter
cumulativo da maioria dos poluentes atmosféricos e as obrigações assumidas no âmbito
do Protocolo de Quioto determinarão inevitavelmente o alargamento dos períodos de
proibição de circulação...
Nesse sentido, para evitar os prejuízos económicos inerentes a este tipo
de decisões políticas, os transportadores rodoviários devem desde já delinear
estratégias que permitam minimizar os seus potenciais efeitos negativos.
As mudanças a nível da organização espacial das actividades
económicas, a necessidade de assegurar o transporte porta-a-porta, as
exigências decorrentes do just-in-time, a fiabilidade, flexibilidade e
qualidade associadas ao transporte rodoviário de mercadorias exigem uma resposta forte e
decidida de todo o sector, assente na capitalização dos seguintes factores de qualidade
na cadeia logística de transporte:
...as emissões gasosas dos veículos pesados de mercadorias sofreram
reduções em cerca de 80% apenas na última década, o consumo de combustível foi
reduzido em 34% desde 1970 e o ruído associado a 24 camiões é sensivelmente equivalente
ao ruído de um único desses veículos construído antes de 1970.
IRU International Road Union A Europa precisa do Transporte
Rodoviário
... A melhoria da logística e o aumento da eficiência das actividades de
transporte de mercadorias poderão permitir uma diminuição dos trajectos efectuados
pelos camiões e do número de quilómetros percorridos por veículo da ordem dos 10 a 40%
com uma redução equivalente do consumo de combustível e do nível de emissões de
CO2.
COM(1998) 204 final
Factores de Qualidade no Transporte Marítimo [2]
O transporte marítimo apresenta como vantagem competitiva a capacidade de
deslocar grandes quantidades de mercadoria a grandes distâncias, por baixo custo, e como
desvantagem a velocidade reduzida.
Esta realidade reflecte-se na preferência inequívoca da via marítima
pelas cargas de baixo preço por unidade transportada, em detrimento de produtos de maior
valor, mais sensíveis ao tempo de transporte do que ao custo do mesmo.
Visando poder competir com o transporte aéreo e terrestre em produtos de
mais elevado valor e num número crescente de rotas, colocam-se ao transporte marítimo
exigências de3:
Paralelamente, no sentido de melhor ajustar a qualidade do serviço às
expectativas dos clientes dos serviços de transporte marítimo (tailor made
fato à medida), assistiu-se a uma tendência de especialização, resultado de uma
grande pulverização de segmentos, com características de funcionamento produtivo e
económico muito diferenciadas, impondo exigências de actuação diversificadas e
estruturas organizacionais e empresarias bem adaptadas.
Para melhor responder às exigências do mercado, assiste-se a uma grande
especialização por tipos de navios: graneleiros, petroleiros, transportadores de gases
liquefeitos, transportadores de produtos químicos, porta-contentores, transportadores de
automóveis e outros veículos, navios frigoríficos, navios para o transporte de animais
vivos, etc.
Para responder à crescente necessidade de assegurar, de forma competitiva,
aos clientes de serviços de transporte marítimo, uma qualidade de serviço
fiável em termos de regularidade e pontualidade, o mercado de Linha Regular, tem-se
desenvolvido consideravelmente ao longo das últimas décadas. Este mercado caracteriza-se
pela existência de um serviço regular de transporte marítimo em determinadas rotas de
tráfego, assegurando escalas em portos previamente definidos de acordo com o itinerário
da viagem, sendo o serviço realizado com uma frequência mínima fixada,
independentemente da ocupação em cada viagem do navio utilizado.
Factores de Qualidade no Transporte Ferroviário de Mercadorias
Em face dos condicionalismos de ordem técnica, estrutural, fiscal e comercial,
associados à incapacidade de assegurar o transporte porta-a-porta, não faz
sentido a visão tradicional do transporte ferroviário de mercadorias encarado de forma
isolada. Neste contexto, ele tem que ser perspectivado como um componente de uma cadeia
logística de transporte, em que ao combinarem-se os desempenhos individuais dos diversos
interessados, o factor competitivo de cada um, individualmente, está directamente
dependente da estrutura de desempenho dos outros co-participantes na mesma cadeia.
A nossa situação geográfica periférica e ainda, a reduzida dimensão
territorial determinam que 85% das mercadorias transportadas por via terrestre, são
transportadas num raio de distância inferior a 150 km (76% das mercadorias percorrem
distâncias inferiores a 50 km) e 96 % num raio inferior a 500 km (IRU), podendo
questionar-se a vocação do caminho de ferro para o transporte de
mercadorias...
Perante este cenário, há que assumir que todas as medidas para revitalização
dos caminhos de ferro, a nível da UE, tais como a implementação das freeways ou mesmo
das TERFN (Trans European Rail Freight Network) apenas poderão contribuir para
minorar a confrangedora situação do transporte ferroviário de mercadorias.
No entanto, a Comissão Europeia assumindo que o transporte ferroviário possui um
potencial significativo para aliviar os problemas ambientais provocados pelo tráfego de
veículos pesados de mercadorias, aposta claramente no reforço da eficácia dessa rede,
através do aumento da interoperabilidade através de conexões sem descontinuidade entre
as redes ferroviárias nacionais, na facilidade de transferência nas fronteiras e na
melhoria das conexões intermodais.
Paralelamente, a possibilidade de pagamentos compensatórios relativos aos
custos externos escondidos nos modos de transporte concorrentes, poderá
aumentar a sua competitividade. Assim, enquanto actualmente, o transporte combinado apenas
é competitivo em deslocações superiores a 400/500 km, com base no novo modelo
preconizado pela Comissão, diversos estudos apontam que, no caso do fluxo denso, o
equilíbrio financeiro pode, por vezes, ser alcançado em distâncias de cerca de 100 km.
Por conseguinte, ...existe um potencial significativo para o transporte ferroviário
de mercadorias, quer a nível nacional, quer a nível intra-comunitário.
COM (98) 444 final
Importa igualmente alterar os actuais níveis de prioridade atribuídos pelos
gestores da circulação ferroviária, garantindo algumas prioridades ao tráfego de
mercadorias, em especial aos comboios de transporte intermodal, visando assegurar que as
soluções de transporte combinado rodoferroviário apresentem um transit time
competitivo, condição considerada como indispensável para garantir a dinâmica e o
sucesso da implementação destas soluções alternativas sustentáveis de transporte.
O transporte ferroviário deverá, pois, oferecer uma melhor organização
logística, um melhor nível, frequência, regularidade e ligação em rede do serviço,
assim como um sistema integrado de gestão e de tarifação para toda a cadeia de
transporte porta-a-porta, como sucede no transporte rodoviário.
Factores de Qualidade na Interface Portuária
Ao analisarmos os factores que determinam a selecção de uma interface portuária,
verificamos que são geralmente identificadas as seguintes debilidades no que respeita à
Qualidade dos serviços portuários [3].
- Inexistência ou ausência de sentido de comunidade portuária;
- Falta de qualidade dos serviços prestados e inadequação dos horários
de funcionamento praticados;
- Atrasos significativos na carga/descarga, despacho e saída de mercadorias
dos portos;
- Falta de meios (materiais e humanos) e de coordenação entre as várias
administrações intervenientes na operação e desembaraço dos navios e da carga;
- Inexistência ou inadequação de sistemas informáticos e telemáticos
(EDI e EDP) com vista a melhorar a eficiência operacional da cadeia de transportes e o
despacho rápido de mercadorias nos portos;
- Demoras e custos excessivos;
- Inexistência de contacto directo com as Administrações Portuárias;
- Falta de clareza quanto a responsabilidades quer no que respeita à carga
quer a outros serviços prestados.
Assim, para além da consideração do factor custo, os factores relacionados com
a qualidade do serviço portuário como um todo, assumem especial relevância. Neste
âmbito, incluem-se não só os aspectos relacionados com a qualidade da prestação de
serviços relacionados com a movimentação da carga e outros serviços prestado pelos
portos, mas também os aspectos relacionados com factores subjectivos, como as relações
pessoais entre o porto e os seus clientes.
Neste sentido, o porto tem de ser perspectivado como uma entidade global,
projectando uma cultura e mensagem comum, assumindo que os interesses individuais dos
diferentes intervenientes não se podem sobrepor aos interesses da Comunidade Portuária e
tendo em atenção o pressuposto que o factor competitivo de cada um dos intervenientes na
passagem portuária, individualmente, está directamente dependente do desempenho dos
outros intervenientes
Factores de Qualidade nas Interfaces Terrestres (Rodoferroviárias)
A nível das interfaces terrestres (rodoferroviárias), os custos de
transferência de cargas (custos friccionais), são a grande barreira ao crescimento do
transporte intermodal na sua vertente rodoferroviária. Nas interfaces entre estes dois
modos de transporte, os custos de imobilização e espera dos veículos, associados aos
custos de espaço e da própria ocupação das linhas tornam demasiado cara as operações
intermodais rodoferroviárias.
Torna-se pois premente investir a nível de equipamentos e infraestruturas de
modo a aumentar os níveis de automação, flexibilidade, fiabilidade e segurança e,
consequentemente, reduzir os custos na transferência modal das cargas transportadas.
As interfaces rodoferroviárias não podem continuar a ser consideradas como uma
descontinuidade na cadeia intermodal de transporte, mas têm sim que se assumir como um
vector dinâmico e integrador dos subsistemas rodo e ferroviário.
A Protecção do Meio Ambiente como Factor de Qualidade na Prestação de um
Serviço de Transporte
Segundo Taguchi a qualidade tem que ser perspectivada como ... a perda
mínima para a sociedade. Nesse sentido, a qualidade encontra-se indissociavelmente
associada aos conceitos de externalidade, eficiência económica e sustentabilidade.
Ao fazermos a analogia para a prestação de um serviço de transporte, estes
conceitos assumem especial relevância, visto tratar-se de um dos sectores económicos em
que a discussão em torno destes temas assume actualmente uma grande preponderância.
A crescente consciencialização por parte da opinião pública e dos órgãos
decisores da necessidade de integrar a política ambiental na política comum de
transportes determinará, necessariamente, que a protecção ambiental se venha a assumir
no futuro como um dos mais importantes factores de qualidade na cadeia logística.
[1] Costa, Vítor
Ramos, - As questões genéricas da Procura e da Oferta no mercado marítimo de
linha
[2] Extraído de
Martins, Eduardo, - Economia do Transporte Marítimo, ISEG 1997/98.
[3] Bebiano,
Prates, A Qualidade Total nos Portos, ISTP 2000.
agosto/2003
Fernando José
da Cruz Gonçalves,
Oficial da Marinha Mercante, Bacharel em Pilotagem (ENIDH - Escola Náutica Infante D.
Henrique), Licenciado em Gestão e Tecnologias Marítimas (ENIDH - Escola Náutica Infante
D. Henrique), Licenciado em Administração e Gestão Marítima (ENIDH - Escola Náutica
Infante D. Henrique), Pós-graduado em Gestão do Transporte Marítimo e Gestão
Portuária (ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão), Pós-graduado em Gestão do
Transporte Rodoviário de Mercadorias e Gestão Logística (ISEG - Instituto Superior de
Economia e Gestão).
Professor Adjunto do Departamento de Gestão e Logística da Escola Náutica Infante D.
Henrique, sendo responsável pela docência de disciplinas na área da Economia Marítima
e Portuária.
Consultor em Transportes, Portos e Logística em diversos projectos e
estudos realizados no âmbito de programas co-financiados pela Comissão Europeia.
Autor e co-autor de diversas publicações na área da Economia dos
Transportes.
fcgoncalves@oninet.pt
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