O COMÉRCIO ELETRÔNICO E A LOGÍSTICA
INTEGRADA
Muito se
tem comentado sobre o impacto do comércio eletrônico no modo com que as empresas farão
negócios - agora e no futuro - e sobre os diversos termos criados a partir do prefixo
"electronic": e-business, e-commerce, e-procurement, e-almoxarifado, e todos os
outros "e's" que certamente a indústria e os meios de comunicação criarão no
futuro não muito distante.
Estimativas
do Gartner Group apontam para um volume de transações via comércio eletrônico
realizadas globalmente da ordem de 1,5 trilhão de dólares até 2003, sendo que segundo
estas estimativas, as transações do tipo business-to-business (ou seja, transações
entre empresas) representarão um valor treze vezes maior que o volume de transações do
tipo business-to-consumer. Diversos
institutos de pesquisa como Forrester Research, Andersen Consulting, IDC e e-Stats apontam
para valores da mesma ordem.
Mas o que
afinal é o comércio eletrônico? Numa
definição sem muito rigor teórico, o comércio eletrônico é o conjunto de processos
nos quais clientes, empresas, parceiros de negócios, instituições financeiras,
operadores logísticos e instituições governamentais, entre outros, transacionam via
tecnologia baseada em Internet. O que é
importante salientar é o último trecho desta definição: via tecnologia baseada
em Internet.
Estar
baseado em tecnologia Internet, significa dizer que qualquer cliente, ou empresa, é parte
potencial de um mercado global, onde as informações trafegam sem barreiras geográficas
nem temporais. Este mercado global pode ser
facilmente alcançado bastando para isso um computador conectado à rede mundial de
computadores, no seu caso mais simplório. Havia
não muito tempo atrás, para duas empresas estarem conectadas entre si, era
necessário o aluguel ou compra de um link de comunicação de dados privado, também
conhecido como LPCD (linha privada de comunicação de dados), para que fosse possível o
estabelecimento de uma ligação entre seus sistemas de, digamos, pedidos de compra e
contas a pagar, a pedidos de venda e contas a receber.
Para que uma empresa com 15 clientes pudesse fazer a conexão de todos os seus
clientes, seriam necessárias basicamente 15 linhas privadas. Da mesma forma, se extendermos essa necessidade de
comunicação com os fornecedores, seriam necessários mais links privados. Com o advento da Internet cada organização
necessita de somente um link, diretamente com a Internet, para suprir todas as suas
necessidades de informações com seus clientes ou fornecedores pois as informações
trafegam em um conglomerado de redes interconectadas.
O
comércio eletrônico via Internet possibilitou a partir daí diversos benefícios para as
novíssimas empresas ponto-com: fluidez e agilidade no tráfego das
informações entre clientes e fornecedores, alcançe global, diminuição do tempo do
ciclo de pedidos e eliminação de erros, sem contar mais uma dezena de benefícios. Empresas como a General Motors e as Lojas
Americanas criaram novas estruturas fora da empresa tradicional, para que o
conceito da organização ponto-com fosse totalmente absorvido pelas novas organizações,
e que novos processos fossem sugeridos para a extração de toda a potencialidade do
comércio eletrônico e tecnologias baseadas em Internet.
Hoje em
dia verificamos a explosão deste imenso mercado, com o surgimento dia após dia dos
portais de comércio eletrônico entre empresas das próprias organizações, bem como o
surgimento de portais específicos de um nicho de mercado (portais verticais) e portais
que são destinados a diversos nichos de mercado (portais horizontais).
O Wal
Mart, uma das maiores redes varejistas reais do mundo, com aproximadamente
5.000 fornecedores e 3.000 lojas nos EUA, e ainda o detentor de um dos mais sofisticados
sistemas de gestão de estoques e distribuição do mundo, conseguiu no final de 1999 o
que se imaginava o mais difícil de se obter até aquele momento: fazer com que milhares
de ávidos consumidores, em plena época de Natal, fizessem milhares de pedidos de
produtos em seu site de comércio eletrônico. Até
aquele instante, os tópicos mais discutidos nas revistas especializadas em tecnologia da
informação eram a escalabilidade e a segurança dos sistemas de comércio eletrônico,
e, efetivamente, o portal do Wal Mart teve ótima escalabilidade e não houve nenhum caso
registrado de problemas com segurança.
No
entanto, na segunda semana de dezembro, o Wal Mart anunciou aos seus clientes que
haviam efetivamente recebido as confirmações de seus pedidos e daí a expectativa gerada
que não conseguiriam garantir a entrega dos pedidos feitos pela Internet até o
Natal, conforme prometido.
Mas
afinal, o que deu errado?
Cada
venda efetivada através do comércio eletrônico, gera necessariamente uma entrega de
produto, que é realizada numa velocidade muito menor do que o meio eletrônico. Além disso, atender as vendas no armazém de
varejistas está muito aquém de chegar à casa de cada cliente. Entregar os pedidos em domicílios sem conhecer de
antemão as origens dos pedidos nem ter as rotas de entrega preestabelecidas e regulares
envolve uma logística bem mais refinada.
Vale
salientar que no comércio tradicional, no caso de um varejista, os clientes
vão fisicamente até o varejista, escolhem o produto, finalizam o pedido através do
caixa, e eles mesmos fazem as entregas pessoalmente para suas casas, sendo que além
disso, os custos de entrega são pagos pelo próprio cliente! Imagine o que a maioria da população faz para
realizar suas compras quinzenais: o cliente conduz o seu carro até o supermercado, gasta
o seu próprio combustível, gasta o seu próprio tempo e ainda carrega o seu pedido por
todo o supermercado e depois do carro para a sua casa, sem contar as escadas! Dessa forma, podemos verificar de imediato que,
mesmo sem o comércio eletrônico, alguns custos escondidos já podem ser
identificados no caso de entrega de uma cesta de supermercado na porta da casa do cliente.
E ai
questionamos: quanto um cliente estaria disposto a pagar para ter sua cesta de compras de
supermercado na porta da sua casa ao invés de ter todo esse trabalho e custos? Talvez esta pergunta possa ser respondida com uma
pesquisa não muito complicada, realizada pelos supermercados. Mas... quanto um cliente estaria disposto a pagar
a mais por uma caixa de Aspirinas colocado na porta da sua residência, ao invés de ir à
drogaria comprar o medicamento, gastar preciosos minutos da sua vida, alguma calorias e
talvez passar por alguns perigos do nosso cotidiano?
Certamente não muito, na maioria dos casos...
O que
constatamos é que a tecnologia mais moderna ainda precisa conviver com uma das
habilidades mais antigas: a de armazenar e gerir estoques, manusear produtos e pedidos,
separar produtos por embalagens individuais, e entregá-los no prazo prometido e na porta
da casa do cliente. A este conjunto de
habilidades, se dá o nome de logística.
Mas será
que os clientes estão interessados na entrega rápida, em 24 horas? Ou estariam interessados, como nos episódios de
Jornadas nas Estrelas, no teletransporte? Pesquisas
revelam que um dos fatores mais importantes para os clientes na hora de contratar um
serviço ou comprar algum produto é a capacidade da empresa contratada em atender a
entrega dos produtos adquiridos na data e hora combinada, com pouca margem de erro. Esse conceito, chamado
delivery-on-time ou DOT, leva em consideração que, para um cliente receber
um produto mais rapidamente, um custo maior será cobrado em contrapartida. Dessa forma, o que efetivamente interessa para o
cliente, é receber os produtos ao menor custo, no horário estipulado, nem antes nem
depois. Em alguns casos, a janela
para entrega de produtos, na porta do cliente, pode ser tão curta quanto 30 minutos.
O
primeiro passo, então, antes de prometer ao cliente a entrega num determinado período de
tempo, é a verificação da viabilidade desta entrega, tanto em termos materiais (ou
seja, se o produto estará efetivamente disponível para a entrega no prazo estipulado),
quanto logísticos (se o produto poderá ser efetivamente entregue na casa do cliente) e
financeiros.
A figura a seguir mostra o ciclo completo de um pedido:
A verificação da disponibilidade do produto compreende a verificação dos estoques e
inventários dos produtos finalizados nas diversas organizações do fornecedor, de
maneira a garantir a presença física do produto, antes de disparar um processo de
distribuição para o cliente. Dessa forma, a
verificação de inventário deve ser realizada desde os estoques de fábrica, até os
diversos centros de distribuição do fornecedor, entre outros.
Se não
houver registro do produto disponível em inventário, o próximo passo é verificar a
disponibilidade de produção do produto dentro do prazo estipulado. Essa etapa compreende o disparo do MRP (material
resource planning) no sistema de programação da produção. Não havendo disponibilidade de produção que
atenda a data de entrega solicitada pelo cliente, o sistema deveria, no mínimo, informar
qual a data de produção viável para atender ao pedido, mesmo que em uma data diferente
da solicitada pelo cliente. Tenho dúvidas se
os atuais sistemas de ERP (enterprise resource planning) possuem esta capacidade
atualmente, e este é, sem dúvida, um dos calcanhares-de-Aquiles das atuais
implementações de sistemas de gestão atualmente comercializados.
Admitimos
então, para prosseguirmos com a lógica do ciclo de pedidos, que o produto estará
disponível em estoque ou que o sistema de produção nos jurou de pés juntos que o
produto estará disponível em uma determinada data.
E quanto ao recurso altamente escasso chamado logística? Da mesma forma que o sistema de programação de
produção, existem sistemas de programação de distribuição, ou DRP (distribution
requirement planning), que verificam a viabilidade de entrega de um determinado pedido,
dados endereço de origem e endereço de destino, produtos e embalagens (volume e peso),
entre outras informações. No entanto,
sistemas DRP não são comuns no mercado, e menos ainda totalmente integrados aos sistemas
de pedidos.
Novamente,
havendo disponibilidade de entrega baseado no pedido do cliente, o sistema de pedidos
completa o ciclo informando ao cliente a viabilidade do pedido na data/hora de entrega
estipulado, ou então sugere ao cliente uma data e hora alternativa para entrega. O que é fundamental é deixar o cliente ciente da
impossibilidade, antes de se concluir o pedido, da entrega na data solicitada e propôr
uma data alternativa.
O
comércio eletrônico é uma nova forma de comercialização que sem dúvida mudará a
maneira com que as empresas farão negócio, mas que ainda carece de algo que muitas
empresas mesmo as não-ponto-com sofrem há muito tempo: a falta de
integração entre as operações comerciais, produtivas, financeiras e logísticas não
só dentro da própria organização, mas por toda a cadeia de abastecimento. Da mesma forma que a Internet está revolucionando
a forma de se fazer negócios, o futuro será utilizá-la para realizar esta integração
de forma absolutamente eficaz e eficiente.
Talvez
tenha chegado a hora de recordarmos que os clientes querem o produto fisicamente na porta
da sua casa e não uma mensagem de desculpas informando que não receberão o produto
conforme prometido, e dessa forma talvez seja o momento de cunharmos mais um termo, o
r-commerce: real commerce.
Luiz
Gustavo Figueiredo Pereira da Silva, M.Sc.
Doutorando
em Engenharia de Transportes, POLI-USP
Mestre em
Gerenciamento Logístico, AFIT, Ohio, EUA
Diretor
de Estratégia de Produtos Innovae e-Business Solutions
Engenheiro
formado pelo ITA/IME
gustavo@innovae.com
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