Tenho, ao longo do tempo, ouvido com insistência as expressões
consolidação e desconsolidação de carga marítima e, mais do que isto, visto-a escrita
em muitos lugares, inclusive como peça publicitária anunciando "empresas
consolidadoras e desconsolidadoras de carga".
Qual a lógica, no entanto, da utilização tão amiúde desta expressão no transporte
marítimo de mercadorias unitizadas em container?
Infelizmente, nenhuma, na modesta opinião deste interlocutor.
Qual a razão desta afirmação? Isto será explicitado nas linhas abaixo, com o intuito
de deixar claro que as expressões consolidação e desconsolidação de carga no
transporte marítimo é um equívoco.
Veremos que, na realidade, as únicas expressões aceitáveis são "unitização e
desunitização de carga", procedidas através do ato de ovar e desovar um container.
Quem conhece o transporte aéreo, ou lida com ele mais freqüentemente, sabe que neste
modal, sim, existe a consolidação de carga, seguida, posteriormente, pela sua
unitização.
Como costumo dizer a meus alunos, em cada turma que leciono, num trabalho de formiguinha,
a unitização de carga é um ato concreto, enquanto a consolidação é um ato abstrato.
Unitização de carga significa a colocação de diversas cargas pequenas, ou grandes, em
uma unidade maior, numa operação denominada ova, ou estufagem, de container. Isto é
realizado, entre outras razões, para a facilidade de manuseio, transporte, segurança,
etc.
A unitização pode ser realizada em qualquer unidade de carga, no entanto, a mais
versátil, e de larga utilização, e a qual nos ateremos, é o container. Até
porque as expressões em pauta, e sobre a qual estamos trabalhando, se referem a esta
unidade.
A consolidação de carga, por sua vez, é um ato abstrato, e pertence ao jargão de
transporte aéreo. Por que?
Pela simples razão de que no transporte aéreo a tabela de frete é dividida em faixas.
Elas abrangem as cargas até 45 quilos, daí até 100 quilos, a seguinte até 300 quilos,
estando a última faixa a cargo do transporte de mercadorias enquadradas a partir de 500
quilos.
Quanto maior o peso da carga, menor o valor do frete por quilo, o que significa dizer que
no transporte aéreo a união faz a força e vale a pena.
Como funciona? ao receberem as cargas de diversos embarcadores, os agentes de carga aérea
as juntam num ato chamado de consolidação.
A partir do peso da carga total encontrado ela é enquadrada na faixa de frete
correspondente.
Através deste ato há um barateamento do frete para todos os embarcadores, rateio que é
realizado pelo agente.
Com isto todos ganham, os embarcadores, os agentes, bem como os transportadores.
Para as empresas de transporte aéreo a vantagem é imensa já que, embora, aparentemente,
pareça que elas percam dinheiro, na realidade estão ganhando, pois possibilitam o
embarque da carga, o que não ocorreria com os fretes originais mais altos.
Isto acaba criando um efeito tostines, ou seja, com o frete mais barato embarca-se mais, e
com mais embarque há uma contínua redução do frete, e com isto a carga aérea vai
crescendo, com todas as vantagens que isto acarreta.
Todos sabem que este tipo de operação não existe no transporte marítimo, onde o frete
é definido independentemente do tamanho da carga. Não existe o frete por faixas de peso.
O que pode ser obtido é algum desconto na negociação do frete para quantidades maiores,
porém, nada oficial como existe no transporte aéreo, e as vezes pode nem ser obtido.
Se este efeito tostines não existe no transporte marítimo, e se o que existe é a
unitização de pequenas cargas, então não se pode falar em consolidação de carga
marítima, mas apenas de unitização, já que o efeito é concreto de colocação da
carga no container.
O máximo que se pode falar neste caso, é que existe um embarque tipo ships
convenience, onde a carga seguirá se houver uma quantidade razoável para a ova de um
container, mas nunca consolidação.
Quanto ao comum argumento de que a consolidação se deve porque existe um conhecimento
mãe, por exemplo, do armador, e um conhecimento filhote, por exemplo, do NVOCC, isto
também é um equívoco.
Não existe o master nem o house, pela simples razão de que o NVOCC é o
transportador do exportador, e o armador é o transportador do NVOCC. Neste caso,
portanto, os dois são transportadores, ou seja, um sendo real e o outro virtual.
Os masters e houses também são conhecimentos exclusivos do transporte aéreo, onde a
emissão dos dois só é justificada em razão da consolidação, já que o agente de
carga aérea não é transportador.
O transporte é feito pela empresa aérea, que é a única transportadora da mercadoria do
exportador, muito embora haja um conhecimento no meio, o da consolidação do agente de
carga.
Samir Keedi,
Professor universitário,
autor do livro Transportes e seguros no comércio exterior,
e tradutor do Incoterms 2000.
samir@aduaneiras.com.br
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