PORTO DE SANTOS BELO ADORMECIDO?
Temos visto que o nosso Porto de Santos é sempre
considerado um porto a beira da sua saturação. Isso pelos mais diversos profissionais da
área, jornalistas, escritores, ex-diretores, usuários, etc.
Essa é uma questão que tem nos incomodado sobremaneira ao longo do tempo, pelo tipo de
análise que é feita. Em nossa opinião, o Porto de Santos não está com sua capacidade
quase esgotada como é comum se ler. Sua capacidade de operação, com certeza, ainda
está aquém, muito aquém daquela do qual se fala.
É provável que sua saturação ainda esteja longe de acontecer. Considera-se que a
quantidade de carga a ser movimentada este ano de 2004, da ordem de cerca de 70 milhões
de toneladas não deixa muito espaço para o futuro. Talvez mais 10 ou 20 milhões de
toneladas e puf, o porto pede água. Aliás, aproveitando o ensejo, pede água não é de
hoje, que ele precisa ter uma profundidade de pelo menos 15 metros para sobreviver ao
futuro próximo como um hub port.
A nós parece, pelo que se fala, comenta, escreve, que a única solução é a
construção de um porto novo. É até possível que a solução seja essa, mas, de
priori, nos parece um pouco prematuro uma conclusão dessa. Acreditamos ser absolutamente
necessário que um novo porto seja discutido um pouco mais com a sociedade, em última
instância a beneficiária, prejudicada, etc. Claro que aqui estamos sendo sonhadores.
Discutir com a sociedade?
Nos últimos anos o porto de Santos vem batendo sucessivos recordes, culminando, no ano
passado, com operações de cerca de 60 milhões de toneladas de carga em todas as
modalidades possíveis, de comércio exterior e transporte interno, representados
pelas exportação, importação, cabotagem e transbordo. Segundo pensamentos correntes,
talvez mais apropriado dizer correndo muito rápido nos pensamentos, em um ou
dois anos o esgotamento da capacidade será inevitável.
É possível que isso seja algo ainda a constatar, mas provavelmente sem sucesso.
Acreditamos haver equívocos em se considerar tão baixa quantidade de carga como de
saturação de nosso porto de Santos. Portanto, sem pestanejar, discordamos de tais
colocações e somos contrários a essa posição. Não nos parece válido gastar dinheiro
com um novo porto. Primeiramente porque achamos que a sua capacidade é de no mínimo de
100 milhões de toneladas, quiça até mais. Tudo depende do que se faça no porto. 200
milhões de toneladas é sonho? Não, e vejamos a seguir.
Nossa crença nisso, portanto, discordando dos analistas é a constatação partida de
nossas observações das operações portuárias, bem como da análise visual de toda a
infra-estrutura existente ao redor do porto. Cada vez que nos dirigimos ao porto, seja
para visitas ou ação de aprendizagem, o que ocorre até com relativa freqüência, vem
à nossa mente essa questão do esgotamento do porto. Podemos dizer que é inevitável
até quando estamos longe do porto. É até natural com tanta gente dizendo sobre sua
saturação.
No entanto, não é essa realidade que vem diante de nossos olhos quando estamos no porto.
Não o temos visto com todos os seus berços abarrotados de navios, e até contrariamente,
entendemos que há uma clara ociosidade, e que muitos outros navios poderiam ser recebidos
e atendidos.
Há menos que esteja ocorrendo uma grande coincidência, e até nos penitenciamos se for o
caso, mas quando estamos no porto é comum vê-lo sem todos os seus berços ocupados,
principalmente aos sábados quando temos o prazer de levar nossos alunos para
conhecê-los.
Comumente vemos uma ocupação ociosa, com muitos berços disponíveis. Em finais de
semana nunca além de mais ou menos metade ou pouco mais deles ocupados. Considerando um
certo exagero, no limite de três quartos do porto. E é comum que muitos estejam parados,
ocupando precioso espaço, ao invés de estarem operando, tanto para embarque quanto para
recebimento de carga. E vide que isso em períodos normais de operação do porto. Até
porque, como sabemos, o porto funciona 24 horas por dia. Isso é, no mínimo, uma perda de
tempo desconfortável.
Essa visão nos dá quase uma certeza de que a saturação não é do porto, mas de toda a
sua infra-estrutura de apoio, tanto a do porto quando dos seus arredores. Também dos
próprios terminais e sua defasagem em termos tecnológicos, gerando um navio
de ineficiências.
Avaliamos que se houver um conjunto de operações eficientes, em todos os sentidos, o
nosso porto de Santos, o maior do país por ora, e esperamos que assim continue, poderia
fazer muito mais. Com relativa facilidade, acreditamos, pelo menos 100% mais do que aquilo
que se considera seu ponto de saturação. Conforme explicitado no ínicio de nossos
devaneios.
Olhando para as áreas de recebimento de carga, e aqui uma olhada na de unidades de
containers, esse fabuloso equipamento, e que já tivemos a oportunidade de expressar
diversas vezes ser a oitava maravilha do mundo, se constata isso. Essa é uma das
variáveis que talvez possam explicar o aparente esgotamento da sua capacidade. Assim,
entendemos que não é realmente um problema do porto, mas da falta de capacidade de
recebimento de carga para o porto.
É fundamental, mesmo imprescindível, que mais áreas sejam alocadas para recebimento e
armazenamento de carga, tanto a granel, quanto a carga geral, e ambas também
conteinerizadas.
Se nos voltarmos para a operação portuária, e desejarmos ver suas deficiências, o que
nem sempre é feito, nota-se, facilmente, que mais uma vez somos levados a concluir que
provavelmente o problema não esteja mesmo no porto em si, mas nos seus equipamentos, em
boa parte obsoletos e precisando de aposentadoria. Quando falamos em boa parte,
obviamente, sentimo-nos na obrigação de reconhecer que há exceções.
Aqui, graças a Deus, podemos colocar os terminais de containers, bem mais modernos, sem
esquecer que poderiam ser melhor equipados. Mas aqui, novamente um aparte para reconhecer
que isso não é uma tarefa fácil com o tipo de privatização ocorrida. Sabemos que os
concessionários receberam os terminais em condições mínimas de operação, sempre
lembrando-nos que de antes da privatização das operações portuárias a produção era
de 5-8 containers por hora. Hoje temos operações médias de 40 unidades por hora, com
belíssimas performances de pouco mais de 90 unidades.
Mesmo aqueles que mais investiram e que estão melhor equipados têm equipamentos em
quantidade que consideramos insuficientes para performances de nos deixar de queixo
caído, como ocorre com o porto de Singapura, segundo a revista Veja de agosto de 2001.
Segundo consta, realizam 100 operações por hora, com apenas 2 trabalhadores
engravatados, munidos de joystics, e ao preço inacreditável de US$ 70.00 por container.
Sendo possível ter um equipamento para embarque em cada porão, e com operações em pelo
menos três porões simultaneamente, estes portainers certamente teriam um fantástico
ganho nas operações, com conseqüente aumento na capacidade de embarque e desembarque de
cada berço e navio.
Sem contarmos, ainda, o que consideramos um contra-senso em relação ao terminal T-37.
Todos sabem que o terminal é muito eficiente e sua extensão de 1.100 metros, com cinco
berços abrangendo o chamado T-35, mereceria mais área. Podendo ser um dos melhores
terminais do mundo, não que não o seja dentro das suas condições físicas, já que
opera média de 40 containers/hora, já tendo feito 92 unidades, por que a área atrás
dos dois berços do T-37 não foi concedida a eles, mas ao corredor de exportação? Nada
contra o corredor, obviamente, mas a solução que estamos apontando seria totalmente
lógica em nosso modo de ver.
Não pode ser aceitável a ninguém ver um terminal, que após alguns anos de sua
privatização, e de ter mostrado uma competência incomum, ver a área à sua retaguarda
não ser entregue espontaneamente a ele. Sem dúvida ela o ajudaria extraordinariamente a
melhorar sua capacidade de recebimento de carga e de aumento de sua capacidade operativa.
Imagine-se o T-37 com uma largura dobrada em relação a sua atual.
E quanto ao Tecon? Também aqui temos outra situação que consideramos que poderíamos
ter outra situação. Referimo-nos ao Tecon 2, e que está sendo preparado para ser um
terminal de veículos. Foi entregue temporariamente à Santos Brasil para operação, mas
deveria ter sido em definitivo e como parte do terminal de containers. Com quatro berços,
já que eles construíram um recentemente, teríamos outra situação de operação, com
condições de tornar-se um dos melhores do mundo, juntamente com o T-37. O terminal de
veículos poderia ter outro lugar.
Com acontecimentos desse tipo, inexplicáveis pela lógica, já que a lógica diz
claramente, pelo menos em nossa opinião, que as duas áreas teriam que ser entregues ao
dois terminais naturalmente e espontaneamente, as coisas ficam sempre mais difíceis.
Outra questão a complicar os procedimentos mais simples de uma operação
portuária, é a obrigatoriedade da contratação de mão-de-obra avulsa, em detrimento da
contratada pelos operadores portuários como empregados próprios. O que já é
preconizado pela nossa famosa Lei 8.630 de 25.02.93, que embora tão antiga ainda não
está totalmente implementada, o que não faz qualquer sentido lógico. Essa utilização
de mão-de-obra própria é absolutamente fundamental para consolidação do processo de
avanço das operações portuárias, e que não teria preço pela sua extraordinária
valia.
O ganho seria geral, em especial para a própria mão-de-obra, com todas as vantagens que
um emprego fixo e formal trazem embutidos em seu bojo como a estabilidade, o salário
garantido, FGTS, férias, 13º salário, vale refeição, assistência médica, etc.,
inclusive direito a aposentadoria. As vantagens da redução de custos logísticos
portuários, através de ternos de trabalho adequados a cada operação, com o custo da
mão-de-obra tendo a lógica daquela das empresas formais, seriam sentidas rapidamente,
tornando as empresas e nossas mercadorias mais competitivas.
Processos mais enxutos e competitivos certamente resultarão em crescimento do comércio
exterior, que tem sido a grande alavanca da atual retomada do crescimento econômico
brasileiro. Ninguém poderá, em sã consciência, dizer o que poderá ocorrer com a
economia brasileira em 2005 e 2006 se as exportações não se sustentarem nos novos
patamares a serem atingidos neste ano, quase com certeza acima de US$ 90 bilhões, e se
não crescerem.
Aqui mais um aparte. Parece bastante claro ao observador mais atento que o atual
crescimento econômico brasileiro, que deve situar-se entre 4 e 5% neste ano, não é
sustentado. Ele está calcado sobre bases falsas, quais sejam: 1) carga tributária de
quase 40%; 2) taxas de juros reais estratosféricas, as maiores do mundo, e acaba de subir
para mostrar que estamos tentando inaugurar uma nova teoria econômica; e 3)
investimentos de cerca de 19% do PIB.
O que vivemos é uma irrealidade. A economia chinesa cresce há 9% há mais de 20 anos
porque investe 35% do seu PIB. Assim, precisamos inverter a relação, e termos taxas de
juros de cerca de 20% e investimentos de quase 40%. Em 1989 nossa carga tributária era de
19% e o país funcionou bem durante praticamente o século todo, com crescimento). Quando
começou a haver a inversão começou o desastre que já dura 23 anos.
Fechando o aparte, voltemos à logística portuária, fundamental para combater alguns dos
pontos acima. Somente teremos melhores condições se nossos portos melhorarem ainda mais,
em especial o porto de Santos que responde por cerca de 25% do nosso comércio exterior.
A atracação de navios e a operação de embarque e desembarque de containers, por
exemplo, em outros terminais mais ociosos, seria outra opção de utilização mais
adequada da capacidade instalada. Mesmo que ocorressem com os equipamentos das
embarcações, muito embora não tão adequados como seria o caso de um portainer. Sabemos
que é melhor dois pássaros na mão que um voando. É preciso considerar que enquanto os
terminais de containers, impossibilitados pelos próprios equipamentos portuários de
operarem outras cargas, como a carga geral, infelizmente, os demais podem operar
containers, mesmo que através de quindastes não totalmente apropriados e com os do
navio.
E o que dizer dos nossos acessos ao porto. São de exasperar qualquer um, até verdadeiras
geleiras, daquelas que não se abalam com qualquer coisinha. Uma atenção a esse pequeno
detalhe, em especial o início da tal falada perimetral, seria uma das pedras
de toque de um novo porto mais competitivo.
Mas, como se sabe, uma das grandes características que fazem nosso país, fazendo parte
da sua cultura, é de discursos, discursos, discursos, em geral constituindo-se em meras e
vãs promessas. Temos uma enorme dificuldade em agir, colocar em prática os belos
discursos. E olhe que nisso somos mestres e doutores. Discursos no Brasil são de arrepiar
e fazer chorar de emoção. Se o Estado não tem condições de fazer, que baixe os juros,
baixe a carga tributária, saia da economia, crie políticas econômicas adequadas e de
longo prazo, e deixe a iniciativa privada mostrar do que é capaz.
É preciso haver conscientização de que de boas intenções os cemitérios estão cheios
e abastecidos ao longo do tempo da existência da humanidade.
Sabemos como são os acessos da ferrovia ao porto, muito problemática. Pode-se ir a
Miami, Oslo, Buenos Aires e Paris antes que se consiga percorrer o trecho da entrada do
porto ao seu final.
Dessa maneira o que menos se pode ter é um porto eficiente. Não é sem razão que,
recentemente, conhecida montadora automobilística, segundo se leu há algumas semanas,
transferiu seus embarques de veículos da unidade do interior paulista, que ocorriam em
Santos, para o porto do Rio de Janeiro. Para lá, os veículos são transportados por via
férrea, a um custo menor, e mais rápidos.
E o que falar da dragagem do canal de acesso ao porto e áreas de atracação, de
importância impar, em especial para quem quer se apresentar como um hub port natural. É
de conhecimento público que as profundidades encontradas limitam-se a não mais de 13
metros. O que impede a entrada de embarcações que necessitam de calado maior,
principalmente os porta-containers a partir de 5.000 TEU-Twenty Feet or equivalent unit
(unidades de 20 pés ou equivalente), e quiçá ainda maiores. Restringindo Santos a uma
possível condição de feeder port. Impossível que isso ocorra? Não, apenas deixe-se
tudo como está, que o mercado é seletivo.
Perceba-se, e estão em todos os lugares, que navios de 6000 TEU já são comuns, e já
temos de 8.600 TEU, e segundo se lê, há encomendas para navios de 9.500 TEU e, ainda sem
confirmação, apenas se fala, para 12.000, sendo que podem chegar a 18.000
TEU segundo especialistas.
Qual a intenção do porto de Santos quanto a essa festa? Ficar de fora dela? Nem se pode
pensar nisso, e nem pode povoar algum sonho, melhor, pesadelo. Mas, a continuidade das
ações conhecidas não levará a destino diferente, podendo este jogador, o nosso porto,
ser expulso do jogo e ir mais cedo para o chuveiro.
Em relação ao Tecon, sendo o maior terminal de containers do país em área, pode se
contentar em ficar recebendo navios também aquém da sua capacidade, sendo que encontra
limites de profundidade que nunca deveria ter, e já apontada acima?
Portanto, caros leitores, operadores, autoridades, usuários, etc., etc., etc., fica claro
para nós e todos que se interessam pelo assunto e pelo desenvolvimento e competitividade
brasileira, que o buraco, quer dizer, o problema, é muito maior do que aquele que se diz,
e que em realidade não é um problema do porto em si.
Assim, people de nosso comércio exterior, bem como de toda a economia que
depende dessa importante atividade, vamos nos mexer e perceber que é chegada a hora de se
fazer alguma coisa, de unir esforços, de se deixar certas picuinhas de lado em prol de
algo maior. O porto de Santos é um patrimônio e uma prioridade paulista e nacional e há
que se trabalhar em conjunto por ele. O conceito de Hub Port, bem como os armadores, que
visam lucro, racionalização de operação, agilidade, etc., não perdoam tamanho e
incompetência.
Como já dizia uma conhecida música brasileira, aliás um hino dos anos 60, quem
sabe faz a hora, não espera acontecer.
Bill Moses: God must have been a shipowner. He placed the raw materials far from
where they are needed and covered two thirds of the world with water.
Bertrand Russel: A principal causa dos problemas do mundo de hoje é
que os obtusos estão seguríssimos de si, enquanto os inteligentes estão cheios de
dúvida
outubro/2004
Samir Keedi,
Professor, escritor, autor de vários livros, entre eles Transportes, unitização e
seguros internacionais de carga, Logística de transporte internacional, e tradutor
oficial para o Brasil do Incoterms 2000.
samir@aduaneiras.com.br
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